Eu também me chamo Maria
“Disse-lhe Jesus: Maria!” (Jo.20.16).
Aos olhos que insistem em fazer das lágrimas a sua lente de contato para ver melhor, os ouvidos podem
ver muito mais se ouvirmos o nosso nome nos lábios do Nosso Senhor. Ele conhece a todas as Marias.
Não muito diferente de hoje, Maria era um nome muito comum na época do Senhor Jesus. Mas, vindo da
boca do Senhor, tudo muda. Cada palavra, tom, faz da noite, dia, e da tristeza, alegria.
Maria via todos os acontecimentos, toda a história, sob as lentes das lágrimas (Jo.20.11). Os seus olhos
procuravam o corpo daquele bom homem, de gestos gentis e amáveis, mas só via escuridão e o frio da morte que
lhe roçava a pele naquela noite. Ela via o túmulo vazio e, ao invés da alegria, foi a escuridão triste que se associou ao
vazio geográfico e se enfiou em sua alma. A mulher pensa em tudo, menos na ressurreição. A única coisa viva naquele
cemitério eram as lembranças (infelizmente sem muito nexo com as Palavras do Mestre). E, tamanho vazio causalhe tanta dor que sequer conversar com anjos a assusta mais (v.12)! Um anjo fala com ela, mas os seus olhos são
incapazes de distinguir um anjo de um homem qualquer.
Mas, se os olhos estão embaçados pelas lágrimas que distorcem a realidade diante de si, os seus ouvidos
estão abertos. “Maria!”, chama-lhe aquela voz bastante conhecida. Jesus acessou-lhe o coração através dos ouvidos:
“Maria!” E a mulher tem de se virar para trás para ver a Jesus. Certamente os olhos não estava preparados para
interpretarem a realidade daquela manhã. Portanto, precisavam ser limpos por dentro. E quem os limpa é a voz do
Senhor. É à partir do coração que os olhos são limpos!
Assim como Maria, dificilmente entenderemos qualquer evento na história ou superaremos qualquer
tristeza se não colocarmos o Senhor ressurreto à nossa frente. Sempre que contemplarmos os nós do futuro ou
limparmos as insistentes lágrimas de nossos olhos, precisamos nos voltar a Cristo. Sem Ele, tudo será sempre vazio
e sem sentido. Cristo tem de nos gritar o nome a fim de que não sejamos consumidos pela cegueira da incredulidade
(Jo 10.3,4,27-30). Não sabemos qual direção a História segue se não for com Cristo (Lc 24.13-35). Tudo é escuro.
Temos uma capacidade incrível de invertermos os acontecimentos. O menor vazio em nossas vidas
atribuímos desamparo divino (Jz 6.13; Jo 11.21). Esquecemos-nos que a História não segue os nossos planos e que
não aceita uma interpretação nossa.
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Assim, nos momentos em que nada nos faz sentido, quando os olhos teimam em ver apenas o vazio, e
permanecem encharcados, precisamos abrir os ouvidos. Nossos olhos não são mais confiáveis do que aquilo que nos
entra pelos ouvidos na voz do Salvador (Jo 20.29).
A mulher ouve-lhe o nome atrás de si: “Maria!” Honestamente? Qualquer nome fica bonito na boca do
Senhor (Jo 1.42). O nome mais usado no mundo torna-se exclusivo quando é Jesus quem o chama. Pois, bastou à
mulher ouvir o seu nome nos lábios do Senhor para que os seus olhos sorrissem. E como poderia chorar se o vazio
sepulcral se tornou, agora, na clara evidência de que qualquer Maria é única na História do Salvador?
Bastou ouvir “Maria!”
Teria Agostinho também ouvido Cristo chamá-lo como fez à Maria? Pois, como se se virasse para ver quem
o chamava pelo nome, confessa:
[…] pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar, cada vez mais, d’Aquele a Quem
meu coração, sem saber, desejava. Eis que estavas dentro e eu fora! […] Estavas comigo e não eu
Contigo. […] Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu a minha surdez. […] Tu
me arrancaste do meu esconderijo. […] Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha
cegueira (AGOSTINHO, Confissões, X, 27-29).
Eu também me chamo Maria, pois …
1- Muitas vezes eu também olho para a história e só vejo o vazio. Parece que o mundo todo perdeu a direção
e que a morte venceu. Nenhum anjo é poderoso demais para me parar o choro e mostrar a realidade diante dos
meus olhos. A sua voz não me desce ao coração e nem me ilumina os olhos. Sou míope!
2- Como Maria, eu também olho para o fundo do túmulo vazio e choro sem ver sentido na História. Na verdade,
é o vazio que me grita o verdadeiro sentido de minha existência- Ele está vivo! O mistério da ressurreição ainda me
é desconcertante; ultrapassa a minha experiência, inadequado ao meu conhecimento se não for atravessado pela
voz de Deus- “Maria!”
3- Sou muitas vezes incapaz de crer sem ver. Às vezes, procuro tanta evidência lá fora, que Ele precisa gritar o
meu nome lá de dentro da minha alma. A cegueira de Maria foi removida pelo simples pronunciar de seu nome.
1 Conforme o versículo 9 deste capítulo, os discípulos não precisariam ir ao túmulo se tivessem entendido as Escrituras.
Igualmente, choramos e sofremos, muitas vezes, porque desconhecemos as Escrituras.
Quando te for difícil ver com os olhos, veja com os ouvidos. Deve ser por isso que a ordem bíblica é: “ouça
Israel….” (Dt 6.4)
4- Ele me envolve em sua História (v.17,18). É maravilhoso saber que na História de Deus, nomes simples,
pessoas simples, estão envolvidos numa grande metanarrativa. Ninguém faz parte de um nó frouxo ou um parágrafo
mal acabado do livro de Deus (Sl 139.16). Todo mundo é Maria e cada um é uma Maria. É a voz do Senhor que nos
dá a singular importância numa História Eterna, onde somos só um grãozinho que chora.
“Maria!”
Eliandro Cordeiro
Maringá, 04 dez. 2024
Senhor, chama-me pelo meu nome. Não me permita dar-lhe as costas! Que eu veja com os ouvidos
quando míope. Se tratando da fé, os ouvidos veem mais.