Carta à irmã que perdeu um Pardalzinho.
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Querida irmã,
Lamento muito você ter dado tchau tão cedo à tua mãe.
Sabemos que a veremos Naquele Dia, quando a Morte será publicamente humilhada (1Ts 4.13-17; Cl
2.14,15).
Você me pediu “alguma palavra sob o olhar espiritual e/ou psicológico para que possa passar por esse luto
de forma menos dolorosa” (SIC). Imediatamente eu me lembrei deste texto bíblico e escrevi.
Desejo que o que escrevi te ajude a acenar, daqui, sorrindo para a morte (Hb 11.13-16), com os olhos limpos
pelas lágrimas derramadas de saudade da mãe, a vida eterna também. Lá, Ele vai te enxugar as lágrimas (Ap 21.4).
A morte dos pardais
“Por acaso não é verdade que dois passarinhos são vendidos por algumas moedinhas? Porém nenhum deles cai no chão se o
Pai de vocês não deixar que isso aconteça. Quanto a vocês […].” (Mt 10.29)
Um homem de fé é um homem que voa com os pardais.
Certamente você já recebeu a visita desse ilustre (des)convidado à mesa do teu café da manhã. Come pão,
o alpiste do teu canário ou a ração do totó. Se você não fizer um “Chôôô!!!” o bichinho mexe nas panelas (Exagero!).
Mesmo na época de Jesus os pardais eram baratinhos. Na verdade, valiam quase nada. Era promoção,
gritava o garoto na feira: “Levando quatro ganha um!” E é aí que Jesus nos ensina a confiar na providência de Deus.
Ele não é o Relojoeiro Cego2 que traz à existência o “Gene Egoísta” que luta pela preservação de sua espécie como
se o mundo todo dependesse de si.
O que Jesus ensina é de deixar a Luíza Mel maluquinha: o valor dos pardais é infinitamente menor do que
o valor dos homens (Lc.12.7). Numa escala de valoração, importância hierarquizada, os homens têm prioridade no
mundo criado por Deus.
Pardal era a ave mais baratinha daquela época (hoje vale menos ainda!). Todavia, àquilo que o homem
atribui pouco valor ou nenhum, Deus cuida graciosamente. E este é o princípio importante que infunde fé na
providência de Deus. Ora, aquele que cuida do menor não cuida do maior? E isto é percebido no fato de Jesus dizer
que um pardal não para de bater asas sem o consentimento de Deus! Deus conta dias e horas dos bichinhos!
(Cf.Mt.6.25,26). Pelo visto, Deus tem uma agenda até para os pardais!
Jesus está lidando com o assunto da história mundial- a morte. E a amplia à uma realidade absurda. Ela está
mesmo onde os homens não estão. Você não precisa acompanhar o voo longínquo do pardal a fim de saber que
ele morrerá. O que limita que a morte, sobre as asas do pequeno passarinho, vá além do que poderia ir?
Certamente é a providência de Deus. Porém, perceba a excelência Daquele que faz Teologia usando um bichinho
sem-vergonha: a morte é uma realidade na existência de passarinho e Homem, mas só percebida pelos homens.
Montaigne, filósofo francês (1533-1592) escreveu que “filosofar é aprender a morrer.” Nem todos têm tempo para
esta lição, não é?
Contudo, segundo Aquele que ensinou a Morte o que é morrer (1Co 15.53-58) ensina que não há morte
que fuja do consentimento de Deus (Jo 6.40; Rm 6.9,10; 1Co 15.26-31). E a morte pode ter o tamanho que quiser!
A morte do homem ou do pardal é consentimento de Deus. Significa dizer que um pardalzinho não é vítima de uma
existência esquecida por Deus.
A morte nunca é apresentada nas Escrituras com uma face bonita e sorridente. Ela é feia, é fria; mas é
obrigada a fazer o que não quer: entregar os crentes a Deus. Ela é real, mas não pode ser vista apenas como uma
realidade universal da qual ninguém escapa. Ela pode ser vista como o sinal da vitória de Deus, em Cristo, sobre o
poder do pecado.
Todas as vezes que vejo um pardal me lembro da graça de Deus. Ele me lembra que está tudo em seu lugar.
No Último Dia tudo estará bem. Só a Vida é Eterna; a morte morre tragada pela vida. A mesma boca que soprou
vida ao barro no Éden, soprará o fim do Mal e devorará a morte (Gn 2.7; 2Ts 2.8; Ap 7.21).
Sei de gente incapaz de diferenciar um Bem-Te-Vi de um Pardal. E a maioria dos homens é incapaz de
diferenciar um pardal de um homem, pois vive como se valesse tanto quanto o bichinho sem-vergonha. Desacredita
que Deus é Ornitólogo e sabe que Azulão não é Bicudo. Tampouco que um Bigodinho não é Coleiro, embora sejam
parentes!
1Esta é uma carta verídica.
2O relojoeiro cego é o livro do biólogo (ateu) Richard Dawkins. Nele, Dawkins diz como que a Seleção Natural não tem planos ou propósito
para com a natureza. Critica o Cristianismo sob a alegação que a seleção natural e a Genética fazem descobertas que respondem o enigma
da vida.
Às vezes penso que, para o cristão, a preocupação não deveria ser mais a vida após a morte, mas a vida
antes da morte.
O meu conselho a você? Bata asas. Voe. Construa ninhos. Cante. Deus te alimenta. Alimenta o físico e a
alma, onde as emoções e sentimentos te confundem a realidade. Ora teme sorrir, ora não quer mais chorar.
Sorria sem culpa e chore sem acanhamento. Um homem de fé é aquele que voa com os pardais. Ele voa,
não para fugir da Morte, mas, apesar da morte. Ele não perde um céu azul de jeito algum!
Jesus ensina que na Providência de Deus, existe valor, e não preço. Tal distinção é considerada por
Agostinho (354-430 dC) ao explicar que o que dignifica o homem é o fato de que ele é superior aos animeis pela
excelência de sua alma racional (A Doutrina Cristã, I, 22.20).
Para mim, um pardal vale nada se comparado a um curió. Para Deus, ambos tem o mesmo valor. A lógica
é: não é o quanto custa, mas o quanto vale. Uma gravata de macarrão seco, ganhada no dia dos pais no jardim de
infância, pode ser mais valiosa do que o sapato couro de jacaré, do filho que mora nos EUA.
Se Deus cuida dos pardais, pequenos, comuns, bastante, e nada raros, por que não cuidaria de você com
um conhecimento incomum?
Deste modo, não há dor, saudade ou solidão, que não seja por Ele também acompanhada com carinho.
Ninguém voa para longe Dele.
Com carinho,
Eliandro Cordeiro
Maringá, 20 de dezembro, 2024.
Não sou nenhum Curió cantando; só um pardal voando