Confessar
“Pois eu conheço as minhas transgressões […]. Eu nasci em iniquidade, e em pecado me concebeu a minha mãe.” (Sl 51.3,5)
Confessar é mais do que falar a Deus o pecado cometido. Confissão é ter a revelação da verdadeira natureza
quando prostra a alma nua perante Deus. Não é dizer o que se fez, mas quem se é. É a coragem para colocar a alma
diante de Deus e submetê-la à luz da Verdade que contrasta as sombras resistentes aos olhos de Deus (Gn. 3.10;
Pv 15.3).
Davi está perpassado pela luz de Deus. Deus visita-lhe os pontos mais sombrios da alma e a cada passo
divino, o lugar onde chega, Davi aumenta o conhecimento de si mesmo. Vê onde escondia a sua culpa. Deus guialhe à sua frente com a Lanterna da Sua Verdade. Ele,sempre depois dos passos de Deus, perscruta o próprio coração
com coragem (Jó 23.11; 1Pe 2.21. Sabe que o coração é cheio de armadilhas (Jr 17.9). Conduzir-se por ele, só com
um Guia experiente (Sl 139.16).
Luz e verdade fazem parte da confissão. A luz revela o pecado que se esconde atrás das falsas pilastras da
santidade, enquanto a verdade corrige e conduz o pecador aos braços de Amor de Cristo (Sl 36.9).
É de sua natureza que Davi fala a Deus. Mas, fala do seu pecado sempre sob a égide de Deus. Saber de Deus
mais do que sobre si mesmo é sempre o modo mais seguro de se proteger: “[…] Sei de ti algo que não sei de mim
[…]”, alude Agostinho (Confissões).
Oh, que doce amargor podemos sentir nos lábios, quando em confissão, sabemos que de Deus destilam
gotas de misericórdia (v.1). É com este sabor que, de joelhos, torturado por seus pecados, Davi sabe que não será
por Ele esmagado (16,17; Rm 5.20). “Situando-se no buraco profundo e escuro do pecado, Davi olha para cima e vê
estrelas da graça de Deus que aqueles que vivem na luz do meio-dia da justiça própria jamais veem” (WALTKE;
HOUSTON, Os Salmos como adoração Cristã. p. 494).
Como ainda em condições de tamanha escuridão interior este homem se vê iluminado pela graça de Deus?
Certamente que a misericórdia de Deus não é um incentivo à prática do pecado (Rm2.4). Antes, é como o farol da
pequena ilha que, ao focar o mar, mostra ao pequeno barco o que seria dele se não tivesse dele o brilho da luz
dirigindo-o à terra firme. O barco fica mais leve à medida em que a carga é lançada ao mar, enquanto singra direção
àquela luz. Se mais leve, mais rápido alcança a terra firme. Perante a Luz do Farol a alma teima esconder as palavras
feias e expor as bonitas a Luz que lhe desce ao porão da velha embarcação. Mas, Davi as arrasta pelos cabelos e as
expõe à Luz ( Cujo o brilho da face de Cristo as lava). Assim, constrói com as palavras sinceras que lhe vazam da
alma, leme e velas, que ao vento da graça, repousa o coração em terra firme (Jo 6.20,21).
Mais temido do que Deus deveria ser-nos o coração que nega confessar-se diante Dele. Que cura espera o
homem se não tem para si mesmo o remédio para a sua alma? Que loucura embriagar-se com o orgulho travestido
de medo(1Co 6.18)! Que eloquente coração engana a Palavra que o fere (Hb 4.12; Ap. 19.15)
Teme você aproximar-se Daquele que, enquanto não te confessas, sustenta-te com misericórdia (Lc 12.58,59)? Não é a prova do quanto te quer bem? Não poderia esmagar-nos com a Sua ira enquanto relutamos ir a Ele (Sl 30.5a; Is 40.15)? O que tememos que Ele veja em nossa nudez (Gn.3.7-14; Hb 4.13), se as próprias palavras da confissão nos são entregues pelo Seu Espirito, quando purificou-nos o coração (Rm 8.26,27)?
Não é a confissão um eco aos ouvidos Daquele que sabe tudo antes que Lho peçamos? E, apesar de ecos, nunca O ouviremos dizernos: “Cala-te! Sei o que o teu coração me fala, antes mesmo que os teus lábios enfeitem tudo com poesia!” (Mt 6.7-15; 15.8,9)?
Ora, não nos ouviu Ele o gemido da alma antes que nos rendêssemos, de joelhos, vencidos pela Sua perseverante graça? Diante da cruz não nos recebe Ele apesar do que fizemos, pois, não se pode ser sem que se faça pelo que se é (Lc 23.32-43)? Davi sabe disso e mostra as mãos e o coração ao Senhor (Sl 139.23,24).
Confessar não é tão só falar a Deus: “Pequei!” É expor a natureza que possui. É desesperar-se sem medo
de ser esmagado pela santidade de Deus. É saber que, antes que Ele ouça-nos a voz, ouve-nos aquilo que nunca O
ocultaremos- os desejos.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 24 abr, 2025
“Senhor, eis o que sou; Perdão!”
1 AGOSTINHO, Confissões V: “Estreita é a casa de minha alma para que venhas até ela: que seja por ti dilatada. Está em ruínas; restaura-a.
Há nódoas que ofendem o teu olhar: confesso-o, pois eu o sei; porém, quem haverá de purificá-la? A quem clamarei senão a ti? Livra-me, Senhor, dos pecados ocultos, e perdoa a teu servo os alheios! Creio, e por isso falo. Tu o sabes, Senhor. Acaso não confessei diante de ti meus delitos contra mim, ó meu Deus? E não me perdoaste a impiedade de meu coração? Não quero contender em juízos contigo, que és a verdade, e não quero enganar-me a mim mesmo, para que não se engane a si mesma minha iniquidade. Não quero contender em juízos contigo, porque, se dás atenção às iniquidades, Senhor, quem, Senhor, subsistirá?” 2 “Senhor, tem misericórdia de mim e escuta meu desejo.”: AGOSTINHO, Confissões, XI, 2,§ 4.