Jesus: a leveza insustentável do Ser
“O povo que habitava em trevas viu uma grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte resplandeceu-lhes a luz”(Mt 4.16).
Os seus pés empoeirados, ao invés de a cavalo, fustiga a alma de quem aguarda dele o pão mágico. Mas Ele
trouxe a luz. Estavam famintos dela, mas só sentiam o estômago vazio. E como é triste tal confusão- confundir vazio
da alma com a falta do pão.
A Galiléia era assim: o estômago não doía mais do que a alma- mas era o que parecia. É aqui que Jesus inicia
o seu ministério, distante do centro religioso de Jerusalém. Era assim que Isaías 9 falou Dele. Na Galiléia tinha-se
fome de tudo, mas, assim como o é a todos os homens, todos cegos para a realidade que os faz todos iguais.
Deve ser por isso que Mateus infere que é a Luz que invadiu as trevas, como a Graça que precede a resposta
humana. Pressupõe-se que já não se trata, pois, de pouca instrução, a douta ignorância, aquilo que cega a alma dos
homens. De certo modo, Galiléia é o lugar onde doutores, escravos, pobres e ricos, assentados, estendem as mãos
pedindo pão, quando a alma grita de fome.
Jesus brota nas regiões mais inóspitas da vida humana. Os homens, conforme Mateus, estavam assentados
na escuridão não por circunstâncias financeiras, mas porque a alma pede esperança. E tal esperança só se alimenta
de luz(a Verdade). Mas querem uma esperança proveniente do pão. Jesus faz o seu caminho passar por aqueles que
jazem nas trevas da esperança (v16). Ele vê esperança onde a vida parece ter encolhido.
Como que este homem que pode, até mesmo, ser visto como igual àqueles que estão assentados à beira do
caminho, pode nos achatar com tamanha leveza de Seu Ser? Ele não pisa a alma, mas a deixa suspensa (IS 42.3; cf:
Jo 10. 24). Tal peso da existência encontra Nele a leveza redentora. Ninguém ali saiu da dura realidade da falta do
pão, mas agora vê onde estão assentados: a luz clareia o interior faminto da alma. E o que pode ser mais urgente?
Ora, não é à partir de então que o sentido da vida eclode? “Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer:
Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (17). Não gera Ele uma crise àqueles que estavam sob
sombras? A Luz vasculha cada pedra do caminho e, ao tocá-la, faz com que flores brotem das pedras.
Ele chama ‘pe(s)cadores’ (19)! Não se iluda, pois, se Jesus está na Galileia, e esta é uma região de sombra da
morte (16-18), os seus discípulos também ali se assentaram. São homens de vida difícil. Jesus lhes oferece propósito.
Atender ao Seu chamado é o ponto de ruptura com a velha ordem; é sair das trevas e romper a alienação do ser.
Ah! O Senhor acredita em valores atrofiados nas gentes sofridas pelas circunstâncias da vida (12-17). Nos
olhos de Jesus, cada coração ferido carrega ainda vestígios do Éden. E onde só vemos ruínas, Ele sussurra
possibilidades.” Em As Obras do Amor, Kierkegaard afirma: “Amar é acreditar que o outro pode ser mais do que é
agora.”
É no Deus-Homem, que surge caminhando na Galiléia, que o propósito da vida evade ao existencial. Até a
fome torna-se claro sinal de que o vazio maior está na alma, sem que se ignore o vazio menor, o do estômago. Jesus
traz à essa gente um propósito para viver (18-25).
Imagino ser horrível esperar da vida apenas o pão, da mesma forma, nem gosto de pensar em o que é a vida
sem o pão. Os homens pescadores, achados por Ele, imediatamente deixam as redes e O seguem (20)!
Será que a leveza deste Homem ofende o concreto duro da Galiléia? O que a Sua Voz faz à alma daqueles
que no mar encontram o pouco sentido para a dor que sofre?
Agora, o sentido é outro: as redes vazias ganham propósito. Duvido que redes estourando de peixes dão
mais sentidos à vida na Galileia do que a presença de Jesus!
Eliandro Cordeiro
Maringá, 03, jul. 2025
De um salto, me pus a segui-lo (Mc 10.50).
1 Sim! Milan Kundera.
2 A leitura poderá tornar-se mais interessante se você ler todo o capítulo 4 de Mateus e esquecer as divisões e títulos que existem nele. Leia-o fluidamente,como se Jesus passasse por cada ponto sem que se pudesse notar alguma divisão.
3 Kierkegaard, Soren, As obras do Amor, Petrópolis: Vozes, 2007, p.234.