E quando as coisas acontecem do lado de dentro?
“…e subiam as ondas por cima do barco, de maneira que já se enchia de água. […] E ele estava na popa, dormindo sobre uma almofada; e despertaram-no, dizendo-lhe: Mestre, não te importa que pereçamos? […]” (Mc 4.35,38)
Nem sempre os açoites das fortes ondas e o chacoalhar das águas no barco amedrontam os mestres dos
mares. E é nesse ponto que a alma humana se quebra: não é mais o mar furioso lá fora – é a água fria subindo no
tornozelo. É quando a água entra no barco que a pergunta, que o desespero evoca, é: “Não se importa comigo?
Quanto valho eu para você?” Se o Senhor está em silêncio enquanto tudo desaba por dentro… então, talvez eu não
tenha valor.
E, não é disso que se trata o silêncio do Deus-Homem? O seu silêncio se deve ao fato de ser Ele o Deus
Encarnado. Ele é Aquele de quem o Salmo 107:30 fala: “Então se alegram, com a bonança; e ele assim
os leva ao porto desejado.”
Mas, qualquer lembrança das Escrituras parece se apagar da mente humana quando é posto em dúvida o
amor divino por ela. Não sabe que Jesus permanece dormindo, porque o medo não exerce efeito algum sobre Ele.
E, se O conhecessem tão bem quanto Ele conhece o Pai e a Si mesmo, teria cada um se deitado ao lado dele até que
o casco do barco arranhasse a areia da praia.
Rhoads explica que, “[…] medo e falta de compreensão estão relacionados entre si. O medo por seu bem-estar os
impede de entender, e sua incapacidade de entender os deixa assustados. Assim, o problema não
é a falta de inteligência. […] algo mais profundo. O medo inibe a compreensão e os mal-entendidos
geram medo. Os discípulos são vulneráveis tanto ao medo quanto à falta de entendimento, porque
a soberania de Deus é avassaladora e contraria os padrões tradicionais de pensamento. Os
discípulos pensam em termos humanos e não entendem como pensar a fé na soberania de Deus.
Tanto o medo quanto a falta de compreensão derivam da falta de confiança na soberania de Deus.”
(RHOADS et al., 2022, p. 173)
Ora, Jesus estava no barco com os discípulos. Sentiam-se bem, até que as águas resolvem entrar. A gente
pode até segurar as pontas nas tribulações, desde que a água não entre no meu namoro ou que não molhe o plano
da casa própria… O que nos assusta por dentro pode ser muito mais perigoso do que aquilo que nos chacoalha o
casco do barco, não?
Os discípulos gritam ao Senhor, suspeitando dos afetos, do Seu caráter – ao que é mais fundamental: a alma
do mortal. Todos nós sabemos o que é lutar bravamente – até a dor atingir o lugar certo e nos desmontar. Os
discípulos não perguntam onde está Deus. Eles O veem dormindo. Então, a pergunta que explode de dentro, onde a
água do medo solapou a fé – um medo corajoso e atrevido: “Será que Ele se importa?” O desespero é violento demais.
Daí, os discípulos não podem captar o que a imagem do “Deus que dorme na tempestade” lhes quer dizer.
Assim, é fácil questionar: “Por que Deus, presente em todos os momentos, se cala diante dos gritos
desesperados dos fracos?” Essa presença silenciosa – quase muda – de Deus é ainda um escândalo a muitos cristãos.
Então, Deus se levanta de sua confortável almofada e afugenta primeiro os fantasmas que assustam a alma
de suas “crianças” (v. 39). Depois, “luzes acesas”, o Deus-Homem cuida do medo e da incredulidade dos homens
barbados: “Como é que não tendes fé?” (v. 40).
Você pode imaginar agora aqueles homens, lapidados pelo trabalho fustigante de pescador, perdidos entre
o encantamento e a vergonha. Pois, como crianças que se encantam com a coragem e a força do Papai, se assustam
com cada nova descoberta de Sua Pessoa e, também, com a segurança que Ele dá. Admiração e segurança!
Acredito que a pergunta dos discípulos quando em desespero, teve resposta tanto no que viram quanto no
que ouviram.
Por fora, viram o poder de Jesus; por dentro, o fim da dúvida do quanto Ele os ama.
E você, duvida?
Eliandro Cordeiro
Maringá, 07, jul. 2025
Com canequinha em mãos tirando as gotas d’agua que respingam no barco- Misericórdia!”