Alegria: tempo, lugar e repetição
“Alegrai-vos sempre no Senhor, outra vez digo: alegrai-vos” (Fp 4.4).
“A alegria é a disposição mais profunda do cristão”, afirmou Comblin em seu comentário a esta epístola
paulina. A despeito de qualquer elucidação do texto, como não o tomo por pretexto, sugiro apenas que leia o capítulo
quatro e, depois, leia o que dele apliquei ao meu coração. Desejo que a minha alegria encontrada nessas páginas
sagradas também te seja encontrada. Foi ela quem fez companhia a Paulo na cela fria. Por que seria diferente a nós?
Já que é ela:
1. A alegria que atravessa o tempo: “sempre”.
Implica em circunstâncias diversas, emoções variáveis, pensamentos diversos. A alegria não tem prazo de
validade. Esta alegria não tem estações emocionais, não inverna nem perde as folhas. Ela cresce à cada tristeza, pois
é estruturada no que crê sobre Cristo.
É difícil perceber a alegria como estrutura real quando todo o edifício da existência tem paredes, janelas e portas
enfeitadas de dor. “[…] A realidade tine. Algo toca sua alma e tudo cai no lugar. O sentido interno das coisas é o senso
de coerência e unidade, o brilho da harmonia que Deus infundiu na criação. […] é a instauração criacional da plenitude trinitária. É a glória do Deus vivo ad extra, fora de si mesmo. “A plenitude da terra é a sua glória” (RIGNEY, J. 2017, p.183.).
Essa estrutura quase escatológica que mantém a alegria é tão distinta quanto os espinhos que dependem do ser
para serem aceitos ou rejeitados. Assim como a rosa: linda, perfumada e toda a sua estética sem os espinhos não
lhe daria o nome de rosa. Uma rosa não é confundida com a Coroa-de-Cristo, Euphorbia milii, só porque ambas têm
espinhos. Mas nem tudo que fere é igual.
As Escrituras expõem-nos que a dor humana reveste a realidade, mas a estrutura segue tal qual a engenharia
original: o sempre é sempre apesar de.
2. A alegria que transcende o lugar, a geografia: “NO Senhor”.
Paulo está preso. A hora de sua morte se aproxima. Falam mal de sua pessoa e alguns procuram atrapalhar o seu
trabalho para Cristo. Por onde entra essa tal Alegria à cela deste prisioneiro? Pelo coração. A geografia da alegria
para Paulo se estrutura na Presença, não no espaço.
Então, não é o lugar quem me deixará mais alegre, mas quem está comigo. Muitos dos irmãos de fé do apóstolo
pisaram na bola, mesmo assim ele diz que dá graças a Deus por eles. Então, a alegria não repousa simplesmente
neste ou naquele irmão. A alegria não é como algumas músicas cuja única razão de ser feliz é o outro amado.
Ele escreve a ‘epístola da alegria’ detrás das grades. Então, a alegria driblou os guardas, a solidão, as emoções e
se instalou no peito do apóstolo (ou é o contrário – O apóstolo reclinou a cabeça no Peito da Alegria?)
A alegria brota da comunhão com Cristo. Não nos é proibido termos alegria na obra da criação. O que nos é
proibido é a esperança de que a criatura tenha nela a Alegria. A criação é apenas a lembrança da Fonte à qual o
homem procura saciar a sua sede (Sl42).
Não esprema dos objetos, pessoas e coisas o último néctar de alegria, pois verterá apenas sangue. A alegria de
Cristo é denúncia da simples alegria proveniente do extrativismo emocional. Apenas em Cristo o homem é saciado.
Não que não haja deleite nas pedras ou amoras maduras. Há, mas apenas como lembrete. As Escrituras nos advertem a não sugar sentido de onde não há fonte.
3-A alegria como uma ordem insistente – “outra vez digo”.
Um imperativo e não um conselho. Confesso que afirmar que Paulo nos diz isso como ordem e não um convite
ou conselho desconcerta a minha alma todinha. A repetição de “alegrai-vos” não é sugestão gentil; é insistência
sagrada.
A repetição acusa o nosso ânimo inconstante nas Palavras de Cristo. A alegria nos escapa. Não deveria! Na
verdade, acredito que não é um voo, mas uma troca que fazemos. Nós abrimos mão dela para agarrarmos em
coisinhas que nos fazem cócegas. As gargalhadas nos são confundidas com a alegria perene. Rir alto nem sempre é
sinônimo de alma alegrr. Às vezes rir alto é só uma maneira de calar a dor.
Neste mundo é proibido dizer “tá doendo”. Contudo, a alegria verdadeira não é só rir — é ousar gritar “tá
doendo, e daí? Acha que não consigo gargalhar ao mesmo tempo em que grito ai?” Essa é a estética do Evangelho:
contradição redentora.
A alegria é tão importante para o apóstolo que ele repete a ordem: “alegrai-vos sempre no Senhor, OUTRA VEZ
digo: alegrai-vos!” Não se trata da “ditadura da felicidade”, mas daquela alegria dom/fruto que Jesus prometeu aos
seus discípulos (Jo 14 -16). Não é admirável que um homem nas condições do apóstolo é que deveria estar recebendo
uma carta desta? No entanto, o que se lê é o contrário. Deus é mestre em “visita reversa”.
Como pastor, já vivenciei momentos em que, em visitas aos irmãos doentes, quem saía curado era eu! Cristo
sabe onde a alma grita de dor ou dá a sua gargalhada – ecos futuros da eternidade. É uma ordem do Senhor para que
o homem abandone as cócegas e cresça satisfeito pela Presença que consola.
Osvaldo Montenegro canta “Eu quero ser feliz agora…” Ele canta meia-ordem. Que contraste entre o desejo
urgente e o mandamento eterno! O mandamento de Cristo é atemporal. Osvaldo deseja tudo agora, mas a sua alma
quer tudo o que seja para sempre.
Também sei que a repetição paulina deve-se ao fato de nos querer elevar os olhos àquilo que é eterno. A gente
precisa lembrar que nada, nenhum prazer aqui segue ininterrupto. O inverso também precisa ser lembrado: tristeza
tem fim sim, viu, senhores Jobim, Vinícius e Bonfá?
Até mesmo porque, “todo pessimismo tem um pouco de otimismo secreto como seu objeto. Toda desistência da
vida, toda negação de prazer, toda escuridão, toda austeridade, toda desolação tem como real objetivo esta
separação de algo que possa assim ser pungente e perfeitamente aproveitado. […] O caminho para amar qualquer
coisa é dar-se conta de que ela poderia ser perdida” (G.K.CHESTERTON).
Acredito que muita gente desiste da alegria só para não sofrer mais com a esperança de que talvez não a
encontre. Não querem mais sofrer dessa esperança. Então é possível desistir da tal Alegria?
Sem entrar naquela famosa distinção de Lewis acerca da abnegação e autonegação, fugir da alegria por medo
de sofrer sua ausência já é, em si, a procura por ela. O homem não desiste da Alegria — ele apenas tenta domesticar
a esperança para sofrer menos. Mas, eis o paradoxo: quem foge da alegria está sempre correndo atrás dela.
É por isso que a ordem paulina — “alegrai-vos sempre no Senhor” — não é um mito de felicidade ininterrupta.
Não é uma cartilha de “sorria e acene” como pede a indústria da felicidade. É o imperativo da comunhão: a alegria
que Cristo oferece não nos impede de chorar, mas nos ensina a chorar com esperança.
O crente só precisa, no fundo, quando gritar que “tá doendo”, ouvir de Cristo, como Paulo, “Eu tô aqui, Paulo”
(2Co 12.9). Daí, a gente se alegra, apesar da dor. Porque no peito de Cristo, todo grito de dor é santificado.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 08 de set. 2025.
Rio rios, Choro mares.
No fim, O petricor da Graça Não mente