“E Jesus sorriu” (Jo 11.35).1
João não escreveu: “E Jesus sorriu, pois, sabia que ressuscitaria Lázaro.” Também, aquelas pessoas no velório
de Lázaro não disseram: “Jesus é tão divino que pode sorrir na presença da morte (v.36).”
Ora, João deseja provar que Jesus Cristo é Deus (Jo 20.31), mas o apresenta com fome, sede e, agora,
chorando? Jesus chora na presença de seu último inimigo (1Co 15.26). O apóstolo não teme apresentar aos leitores
um Deus que chora e sofre.
É em sua humanidade que o autor reforça a divindade do Filho de Deus. E o que o leva a chorar é o contexto
da morte. O Senhor está indignado contra o poder destrutivo da morte (Jo 11.33). E, nem mesmo o fato de saber
que restaurará a vida de Lázaro, ou que Ele mesmo triunfaria sobre a morte (Jo 10.17,18; 11.11; Hb 2.14,15) o impede
de chorar.
Logo, isso significa que, mesmo Deus, encarnado, não apressa a vitória e, tampouco, isenta-se do sofrimento
(Fp 2.6-8).
Teólogos discutem o choro do nosso Senhor. Justificam-no sob o temor de ofender a divindade da Segunda
Pessoa da Trindade. F.F. Bruce, entretanto, é realista ao dizer que “o leitor pode surpreender-se um pouco com o fato
de Jesus, que tinha a situação completamente em suas mãos e sabia que a glória de Deus seria manifesta de maneira
visível, mesmo assim derramar lágrimas de tristeza por um amigo falecido e seus amigos enlutados, como qualquer
pessoa faria. Todavia, nele o Verbo eterno verdadeiramente se encarnou e partilhou da sorte comum da humanidade
[…]” (BRUCE. João: introdução e comentário, 2006, p. 213).
O domínio que Cristo tem para que, como Deus/Homem, mantenha o caráter dentro dos limites, eu nem
imagino! O seu choro não é fingido. Quem se colocaria em posição de vergonha como Ele o fez? Ora, os homens que
acompanhavam a dor das irmãs de Lázaro há quatro dias não tiveram dúvidas: “Vede como o amava” (v.36).
Jesus não sorri porque é Deus; mas chora porque o É. Aquele que é a Alegria, a Delícia per se, chora a morte
de um homem. Mesmo sabendo que o chamará de volta à vida.
Concordo que pouquíssimo há nos Evangelhos passagens que mostram que Jesus esboçou algum sorriso.
Mas, nem por isso, Jesus era carrancudo, um mal-humorado. Era gentil. Já viu gentileza sem sorriso largo no rosto?
Mas, João é preciso no menor versículo das Escrituras: “Jesus chorou”. O escândalo não é Deus sorrir no
velório – é vê-lo chorar, ainda que prestes a ressuscitar. O escândalo não está na ausência do sorriso, mas na
presença da lágrima divina.
Por que Ele não apressa a vitória? Se Ele chora diante daqueles que sofrem, demorar-se no caminho da casa
do falecido, não é estender a angústia? Provavelmente. Se sorrir demonstraria o Seu Poder, as lágrimas
demonstrariam o seu amor? Sim; mas não só.
Jesus é tão divino que não poderia excluir-se a dor dos homens. Não poderia inserir-se à existência dos
homens plenamente ausentando-se dos espectros que os caracteriza na pós-queda: humanos.
Contudo, o próprio Jesus nunca pecou (Hb 4.15). E, sem pecado, você pode imaginar que lhe doía muito
mais, não? Nele não havia pecado para lhe calejar a alma e torná-la insensível (Jo 8.46-59).
Logo, chorar demonstra a divindade do Senhor Jesus com tamanha força, tanto quanto demonstra a fraqueza
dos homens diante do poder do mal.
A dor sem pecado é maior. A morte sem o véu é mais feia. A cruz solitária sem o pecado é abandono, uma
solidão ontológica mais terrível do que o pai que nos esquece no portão da escolinha.
Não é um trauma que fica na alma do Salvador, é a humanidade que se faz eterna em seu corpo, mesmo nos
céus (At 1.9-11;1Tm 2.5; Hb 4.15; Ap1.13-18). É o que significou tornar-se homem.
Isso implica que a dor do homem poderia ser maior, mas Ele a suportou em seu corpo sozinho. Também
significa que sentimos menos as dores do pecado do que deveríamos.
E, se por um lado, sofremos merecidamente a dor dos nossos pecados, graciosamente, a sofremos menos
do que merecemos. Sofremos menos porque: a) o pecado é poderoso e nos rouba os sentidos reais da ferida
profunda; b) a misericórdia de Deus acode até mesmo aqueles que riem das lágrimas do Salvador.
O que isso tem a ver com você?
1) Embora Jesus Cristo seja Deus, é eternamente uma Pessoa que conhece a dor humana. Portanto, considere:
se a nossa natureza é insensível aos nossos pecados – Ele, que nunca pecou sofreu em que medida?
Logo, saberá lidar com nossas dores melhor do que nós mesmo e no ponto certo. Portanto, não o veja como
indiferente ao teu sofrimento.
2) Nunca se envergonhe de chorar. Embora chorar não nos torne divinos (como Jesus), ao menos nos lembra
que até Deus chorou.
Se Deus chorou, então…
1 O título é provocativo. Evidentemente que o versículo é: “E Jesus chorou” (Jo 11.35). Mas, você imaginaria o impacto da mesma maneira como João a escreveu se fosse “E Jesus sorriu”?
3) Não se engane: o mesmo pecado que “suaviza” a tua dor real, em nada suavizou-a em Jesus. Também, o fato
de doer menos em ti, não implica que o dano seja menor.
Ora, um corte no pé, só porque anestesiado, não significa que a gente pode correr ou jogar futebol, não é
mesmo? De outro modo: não confunda ausência de dor com ausência de dano.
4) Lembre-se, embora Jesus ao experimentar dor e tristeza chorou (v.33,38). Ele não se tornou prisioneiro
desses sentimentos. Sabe ver o significado de sua morte, da de Lázaro e da nossa: significado de redenção e
ressurreição. Não é à toa que Ele chamou a morte de sono (v. 4,11).
Assim, enxugar um pouquinho as lágrimas aqui, é, na verdade, um consolo: o seu fim eternamente quando na
ressurreição (Ap 21.4).
Eliandro Cordeiro
Maringá, 06 de set. 2025.
“Todos choramos errado.
Choramos menos do que deveríamos
Mas Ele derramou lágrimas santas.
Chorou o que nunca deveria.
As dores nossas, tais como são.
Mas, desejamos a Sua Alegria.”