A Fé Misteriosa Sustentada por Cristo

“[…] E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas para ir ter com Jesus. Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e, começando a ir para o fundo, clamou, dizendo: Senhor, salva-me! E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o.” (Mt 14.22,23)
Este devocional propõe uma meditação sobre os múltiplos estágios da fé cristã diante da vulnerabilidade
humana e da graça divina. Utilizando o episódio de Pedro caminhando sobre as águas, somos convidados a observar
não apenas o seu tropeço, mas o socorro imediato de Jesus.
Que no fim, entendamos que o mérito está na mão que socorre, e não no esforço que nada.
Quatro expressões da fé no encontro entre Pedro e Cristo
1. Fé pueril — “É um fantasma!” Gritaram os discípulos ao verem o Senhor andar sobre as águas. Ainda não
entendiam que Jesus é Deus (v. 27).
2. Fé provocadora — “Se és tu mesmo…” É aquela que o Senhor Jesus censurou na pretensa hermenêutica de
Satanás. Ela não é fé, mas uma incredulidade travestida de fé.
3. Fé que engatinha — “Descendo ele do barco…” Pedro acredita que pode dar os primeiros passinhos de fé
olhando para Jesus e mais alguma outra coisa.
4. Fé misteriosa — Trôpega, mas não muda: “Senhor, salva-me!” Desce seguro do barco, mas descobre que,
por si mesmo, é pesado. E, maravilhosamente, antes de fazer-nos constatar a incredulidade, ela dá o último grito.
Reflexão Devocional
Como alguém que não crê que pode andar sobre as águas crê que, com Cristo por perto, será incapaz de não
ter a mão Dele agarrada à sua? Ora, não é Pedro que se agarra à mão do nosso Senhor; antes, é o Senhor que, logo,
agarra a mão de Pedro.
Não interessa se tal fé começa pueril. A fé provocadora, que faz provas com Cristo, é ela mesma que,
paradoxalmente, é testada. Ao fracassar, misteriosamente, é suspensa por Aquelas mãos que serão feridas lá na
cruz. Não é por fé assim que essa mão será furada? A cruz se tornará a ponte sobre as águas. E por ela os trôpegos
caminharão em segurança.
Ora, a fé só germina quando o coração do homem é submergido, não nas águas de dores e terrores, mas no
sangue do Salvador. Nem sempre a fé te fará andar sobre as águas, mas duvido muito que te fará fechar os lábios
quando submergir e te faltar o ar.
Nesta hora, o Senhor te socorrerá primeiro, só depois te reprenderá. Ora, a gente primeiro socorre o
afogado. Ensiná-lo a nadar, só depois do trauma!
Ao ler este texto, observou que o discípulo afunda e, tão logo grita, Cristo já está a lhe agarrar a mão? Leu o
texto com atenção e percebeu que o Senhor estava a quilômetros de distância, em terra, orando, também estava
junto aos discípulos no mar bravio? Ah… Este Deus-Homem não é separado dos seus por tempo/espaço! A mais
curta das orações das Escrituras é prontamente respondida: “Salva-me! E logo Jesus […] segurou-o” (v. 31).
A fé necessária não é somente aquela que te faz andar sobre as águas; é aquela que te faz gritar debaixo
d’água. Nenhum homem, naturalmente, anda sobre as águas, tampouco clama ao Senhor com a mesma ousadia
com que desce do barco. Tal ousadia de descer em direção a Cristo pode ser fé na fé. Que lição maravilhosa Pedro
aprendeu sobre o peso de sua natureza humana!
Nesta vida, todo o caminho do cristão é como pisar em paralelepípedos flutuantes, mal encaixados em
nossos planos. Somos péssimos engenheiros espirituais! Nada construímos de duradouro baseado exclusivamente
em nossa capacidade de flutuar. Quantas vezes você já caminhou altivo sobre esses paralelepípedos até precisar
gritar “Socorro, Senhor!”? E, quantas vezes a tua fé construiu ladrilhos firmes, quando, diferente de Pedro, nem
ventos fortes te fizeram tirar os olhos do Senhor?
Às vezes penso que o discípulo, ao perceber o vento forte, olhou-o como um vitral que acessa o lado de dentro da
alma para aquilo que mais teme: os seus fantasmas. Pedro olha para si e não vê a tal fé; olha para Cristo e a avista
Nele. Desesperado, esquece a fé na fé e grita ao Seu Autor (Hb 12.2): “Socorro!”
Que surpresa para Pedro. É incapaz de ter uma fé que anda sobre as águas, mas tem a fé que não duvida
que Cristo não afunda sob a leveza do mar. Não seria essa a fé necessária? A fé não dá espetáculos. Pelo contrário –
ela humilha aqueles que querem se ostentar e acreditem caminhar sem o socorro pronto do Salvador. Pedro
aprende que a fé é a sobrevivência da alma, e não a sua performance. Ele aprende que a fé nada tem a ver com a
manutenção do mar calmo.
Ora, a fé não é cega. Os Evangelhos não ensinam que a fé fecha os olhos para os ventos fortes. Tampouco o
Cristianismo ensina que ter fé é caminhar sem medo e sem dificuldades. Antes, nos dão conta de que a fé repousa
todo o mérito na mão de Jesus. Essa mão ignora todos os poderes da natureza e dos afetos.
Você socorreria alguém que não confiou em você? Socorreria alguém que te negaria no momento mais
solitário de sua vida?
Então, entendeu o que é fé?
Ter fé é saber que Ele bem poderia nos deixar no fundo do mar da incredulidade por toda a eternidade. No
entanto, Ele nos dá forças para gritar o Seu Nome. Rapidinho agarra-nos pela mão (pois nem forças temos!) e nos
segura por toda a eternidade.
Não é isso que é a fé bíblica? A fé bíblica não cria falsas esperanças. Afoga a ilusão pueril de que existam
“Aquamans espirituais”. No mar desta vida, ninguém sabe nadar. A exigência é flutuar. Mas, quem é mais leve que
a natureza? Quem tem a sua natureza leve de pecado?
Cabe-nos apenas gritar por socorro e pedir para que a mão do Salvador nos agarre por toda a eternidade.
A fé é mais genuína quando vem do fundo, e não de dentro de um barquinho flutuando no belo azul do mar.
A fé não faz de nenhum cristão um equilibrista, trapezista ou herói aquático- não é um “vem” para dominar,
mas para depender. Cristo nos tira tudo para que andemos seguros só em suas mãos.
Estranho que o grito de Pedro seja uma expressão da fé em Cristo, né? Exatamente o que ele demonstrou
não ter. É um mistério mesmo.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 13 de out 2025
Fé à Fé
Pé a Pé
Fé a pé
