O pensar do coração.“… meditando-as no coração.” – Lucas 2.19

Além de ser excelente cofre de palavras, o coração é um ótimo pensador.
O autor desse evangelho põe o cérebro dos homens no peito, no coração. É como toda a Escritura faz: o coração
é o núcleo, a unidade sintetizadora do homem.
Nas Escrituras, o coração é o centro da vida interior – não apenas emocional, mas também espiritual e
intelectual. “Meditando-as no coração” é uma frase bíblica para indicar que uma palavra ou promessa de Deus é
guardada zelosamente à espera de sua atualização ou desenvolvimento futuro.
Maria conserva de maneira reflexiva, comparando e aprofundando o significado de todas as coisas que ouvia
dentro de si. Estaria Lucas ensinando aos leitores como agirem concernentes às promessas futuras do Senhor ao seu
povo?
Ora, embora a mãe do Salvador cresse em tudo o que ouvia e via, possivelmente não entendia muito de tudo
isso. E o que se faz àquelas coisas maiores do que nós; aquelas que nos evadem a capacidade humana de entendimento?
Nós as guardamos no coração como quem guarda um pão enorme e cheiroso. Então, pouco a pouco, visitamos a
despensa e beliscamos um belo pedaço dele e saboreamos. Isso é meditar!
A mãe do Senhor aprendeu cedo a guardar todos os eventos da sua vida envolvidos com o Filho de Deus em
seu coração (Lc 2.51). É nesse mesmo coração que, enquanto uma lança perfurará o peito do Salvador, sangrará os
tempos de silêncio e meditação da mulher (Lc 2.33-35; cf. Jo 19.34).
Morris em Lucas: Introdução e Comentário, entende que “Lucas coloca Maria nalgum contraste com os
pastores. Ao passo que eles tinham divulgado o que ouviram, ela guardava todas essas palavras, meditando-as no
coração (cf. Gn 37.11). Entesourou tudo isso, e o reteve nos tesouros interiores do seu ser.” (1974, p. 83)
O coração, nesse sentido, é mais sábio que o intelecto apressado: ele sabe esperar. E, meditando, guardando e
aguardando, o futuro de dores é superado pela esperança de glória. Ou você acredita que a espada que feriu o coração
de Maria se compara à alegria que ela sentiu na ressurreição do Deus-Homem? Do buraquinho feito por aquela espada, na ressurreição, não se viu nem as cicatrizes (Lc 2.35)! A mulher não deve ter compreendido a profecia de Simeão até aquele dia da Cruz de Cristo (Lc 2.34,35). Guardou as palavras do Filho por longos anos (Jo. 2.5).
A vida cristã não é uma prova de matemática, um exercício de lógica, tampouco de morfologia e sintaxe. Não é
que a razão se cala para ouvir o coração; é que ambos falam e se ouvem. Porém, educar o coração pode ser tão difícil
quanto silenciar a alma ansiosa diante do futuro anuviado ou um mistério que não se entrega imediatamente.
C.S. Lewis levou muitos anos até que, na conversão, compreendeu essa verdade. Em O racionalista romântico,
os autores sintetizam a compreensão de Lewis acerca da fé: “Os dois caminhos mais conhecidos por ele consistiam no
romantismo e no racionalismo – o anseio e a lógica. (2017. p.44) Coração e razão. Nem um, nem outro – os dois.
O que fazer diante dos pontos incompreensíveis de nossa vida? O futuro, as promessas divinas? Como não me
esquecer de nada do que a Escritura me fala e não dicotomizar aquilo que ela nunca separou? Ao exemplo de Maria,
seguem três orientações:
1. Não tenha pressa em saber todas as coisas que o Senhor faz. Delicie-se com cada bela fatia de suas promessas
agora. Guarde aquilo que lhe é grande demais no coração (Sl 131.1). Ao guardar no coração, Maria demonstra que nem tudo se compreende de imediato. Algumas promessas exigem tempo para se revelar e mais ainda para serem
compreendidas.
2. A fé bíblica tem mistérios difíceis de compreensão, mas não é um segredo esotérico – há de se revelar (Ap. 5.1-
9; 10.7). A nossa incapacidade de compreensão nunca deve ser uma desculpa para não meditar, pensar e discernir a
Palavra de Deus. Guardar não é descartar o que nos é de difícil compreensão; antes, ter paciência e persistência. É saber que a mente e o coração são dependentes mutuamente um do outro (At 16.14).
O artigo “Convicção e Caridade: Perspectivas Escatológicas”, publicado no site do G3 Ministries Brasil, traz uma
estatística interessante. O autor, Scott Aniol, comenta que os cristãos concordam em 95% da fé, mas os 5% restantes
são de interpretações divergentes. Isso serve para nos estimular a estudar e não a brigar com aquilo que nos é de difícil intepretação. Afinal, temos 95% das Escrituras para meditar!
3. Torne as Escrituras mais presentes em seu dia a dia. Leia, medite, pense em suas verdades com o coração e
ame-a com a mente. Não se iluda, ela também requer esforços para a sua compreensão. Mas, experimente falar a um
urso para não meter a pata em uma colmeia cheia de abelhas nervosas! O sabor do mel vale o risco.
Os Evangelhos não nos ensinam a desprezar a razão em detrimento do coração. Também não ensina que amar
a Deus é uma louca cegueira. É apenas a confissão dos limites humanos em compreender os pensamentos de Deus (Is.55.8-10; 1Co. 1-4 ).
Eliandro Cordeiro
Maringá, 31 de out. 2025
Amar com a mente e pensar com o coração – meditar
