A Palavra do Homem-Deus. Rede que envolve o peixe
“… ao apertá-lo a multidão para ouvir a palavra de Deus […]. Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sob a tua palavra, lançarei as redes. E, arrastando eles o barco sobre a praia, deixando tudo, o seguiram.” – Lc 5.1,5, 11b.
No episódio da pesca maravilhosa, Lucas introduz o leitor à cena de Jesus na região de Genesaré pregando a
Palavra de Deus. Todas as gentes afluíam para ouví-lo. No barquinho emprestado de Pedro, o evangelista diz que o
Senhor ordena para que seja feito o improvável: lançar as redes.
Aqueles homens, experientes na pescaria, acabaram de arranhar os cascos dos barcos na areia, pois a noite de
pescaria foi um fracasso. Então, sob a ordem de Jesus, Pedro disse que lançaria a rede por causa da Palavra (a ordem)
de Jesus. Puxavam tantos peixes que um barco só não deu conta.
Sei que nossa atenção se volta logo para o espetáculo da pescaria. Como um imã, o Senhor atrai cardumes de
peixes para aquelas redes. No entanto, Lucas entrelaça ao milagre uma apologia. Jesus prega do barco a “Palavra de
Deus” e, em subsequência, Pedro diz que lançaria a rede por causa da “Palavra de Jesus”. O fecho é que a Palavra de
Jesus tem o mesmo poder que a Palavra de Deus. O discípulo a obedece indistintamente.
A gente se maravilha com o fracasso de homens experimentados pelo mar em contraste com a onisciência de
Jesus que sabe onde cada ‘guaruzinho’ se esconde. Mas o texto usa o milagre para dirigir os olhos dos discípulos e os
nossos para quem é realmente a bênção entre os homens: Jesus, o Filho de Deus. O leitor não deve concluir que o
versículo onze é apenas um detalhe; é o ápice da pescaria!
Pois, após a grande bênção, quando os barcos abarrotados de peixes quase afundarem, os recém-chamados
simplesmente deixam tudo, – toda aquela bênção ali na areia, – e seguem a Jesus. Eles estão muito mais fascinados pelo Poder do Deus da Palavra do que pelos grandes peixes na rede. O foco do texto não é o milagre em si, e sim o poder da Palavra que o causou. Para o discípulo-pescador, ama-se mais o Senhor do que as redes.
Lucas constrói uma apologia da Palavra de Jesus: ela é proclamada como a Palavra de Deus e tem o mesmo
poder criador e transformador. Pedro reconhece isso ao dizer que lançará as redes “sob a tua palavra”. A obediência à
Palavra é o ponto alto – não há distinção entre obedecer a Deus e obedecer a Jesus. O resultado é o discipulado: os
discípulos deixam tudo – inclusive os peixes, que simbolizam uma grande bênção material.
Aliás, os bens materiais, embora importantes, perdem o seu brilho ao som das Palavras do Mestre. Jesus, na
areia da praia pede a Pedro o seu barco. O pescador imediatamente põe o barco n’água (v.2,3). De igual forma, em
sentido oposto, imediatamente deixa o barco na areia e segue o Senhor.
Na música Lua e flor, Osvaldo Montenegro explica, em poucas palavras, o maior fascínio de um pescador: “Eu
amava como amava um pescador / Que se encanta mais com a rede que com o mar.” Porém, naquela pescaria, Pedro
estava fascinado pelas Palavras do Mestre (Jo 6.68; cf. Jo 7.45,46). Elas flutuavam em sua mente e coração. Os peixes, o barco e as redes eram nada.
Quando Lucas diz que os homens deixaram tudo e seguiram o Senhor inclui os “peixões pesados”. Isso ocorre
quando a Palavra de Cristo não se distingue mais da Palavra de Deus-Pai, e a alma do homem se enrosca nas Palavras
do Senhor. Os discípulos veem-se como peixe enroscado à rede. Eles imploram para ser puxados para fora d’água,
repousando nas mãos do pescador.
Paradoxalmente, só quando o homem vira peixe é que vira pescador (v.10)!O clímax da história não é a pescaria,
mas o abandono dela. A pescaria era a vida daqueles homens.
Assim é com todos aqueles que já tiveram suas vidasfalidas, redes rompidas e barcos cansados, mortos na areia
do mar. Toda a experiência de uma vida, naquela noite, o otimismo foi inútil. Depois, mesmo com o sucesso dos peixes, o homem deseja a vivência das Palavras. Quer entendê-las (cf: Mc 7.17,18; 8.14-21; Lc 18.34; Jo 16.17,18) e conhecêlas mais do que o mar.
Muitos encontraram na Palavra de Jesus o poder da Palavra de Deus; isto é, descobrem que Ele é Deus. Ouviram
e obedeceram primeiramente. Não porque faz sentido, mas porque, como peixe só respira n’água, agora, só respiram
nas Palavras flutuantes que Cristo disse.
Nas redes, tais homens esquecem as próprias necessidades. Evidente que ainda sofrem a transformação dos
pulmões em guelras. Mas, a dor é diluída pelo fascínio das Palavras: são alimento e vida (Jo 6.56-58,63). Esses homens mergulham enchendo a alma de vida, respirando as Escrituras Sagradas. Cada Verdade saída da boca de Deus é um deleite aos peixes que, enroscados nas tramas dos sons e letras saem da água deixando tudo para viver com o Fascinador dos mares.
É ao ler as Suas Palavras que Ele é ouvido e o coração do leitor fascinado.
Você já leu as Escrituras hoje? Você tem pulmões ou guelras?
Eliandro Cordeiro
Maringá, 05 de nov. 2025.
Nas Escrituras, só um peixe engole o que não é comida, fascinado pelo brilho falso do vil metal (Mt 17.17).
Mas, já houve peixe que engoliu peixe. Ou melhor: engoliu pregador (Jn 1.17).
