Deus ri.
“Aquele que está sentado nos céus se rirá; o Senhor zombará deles” – Sl 2.4

A prepotência dos poderosos do mundo faz cócegas nos pés de Deus.
Deus ri dos planos prepotentes das nações. E não é um riso de alegria, mas de zombaria.
Há um perigo em fazer com que Deus tenha esse tipo de riso (1Co 1.20; Cl 2.15; Ap 11.18; 18.20). Ao dizer que
Deus ri-se deles lá do céu, o salmista não fala de uma posição geográfica ou gestaltica, mas ontológica (tem a ver com
a natureza, o Ser de Deus). Deus não ri do sofrimento dos homens, mas de sua arrogância.
Deste modo, o riso de Deus ganha ainda mais vigor. A atitude dos poderosos deste mundo em rebelar-se contra
Deus assemelha-se à pretensão de um galo que, ao se recusar a cantar cedo, tentasse impedir o nascer do sol.
A rebelião, segundo o salmo, propõe o rompimento do laço desses reis para com o Deus de Israel. Para tais
homens, esses laços pactuais são verdadeiras algemas (cf. Os 11.4). São como nós cegos que os atam à vontade de
Deus. Desprezam o seu ungido, o Seu Cristo e não querem salvador algum exceto eles mesmos. Lucas mesmo escreveu em Atos que essa rebelião cumpriu-se definitivamente no Calvário (At 4.25-28).
A rebelião é pueril, fruto da completa ignorância humana acerca do plano salvífico de Deus. Então, como
crianças, as nações atiram pedras para o alto, mirando a lua. A cena só pode causar risos no Deus Altíssimo. Mas, será que rir de cócegas é alegria? Dependerá de quem as provoca.
Ora, o único riso de alegria verdadeira que o mundo ouvirá da boca de Deus será dado quando o Seu Filho reinar
finalmente com os seus santos (Mt 25.21).
Se o riso de Deus é de zombaria, ele é intencional. Isso nos leva a perguntar: o que é o riso? Vi dia desses, em
um reels, um cachorrinho que, ao comando do seu dono, “ria”. Posso entristecer a muitos dizendo que apenas pessoas riem?
Roger Scruton, em O rosto de Deus, explica que o riso não é apenas uma reação física – é uma forma de
comunhão, crítica, graça, ironia. Portanto, animais podem vocalizar, mas não riem com sentido, pois não revelam uma mente que interpreta, brinca, compartilha (2015, p123).
Conforme as Escrituras, apenas Deus, os anjos e os homens são pessoas. Para o filósofo anglicano, “se sorrir e
rir são movimentos da boca, o rosto inteiro fica infundido por eles, de modo que o sujeito neles é “tomado”.” Logo, o
sorriso de Deus lá dos altos céus à presunção humana é a revelação de todo o Seu Ser.
Da mesma forma, o riso de zombaria de Deus, como descrito pelo salmista, é uma resposta à falta de sentido
dos poderosos (p.108). É uma forma de juízo que só uma pessoa pode exercer. O riso de Deus será visto na face de
Cristo. O Salvador, mesmo em dor naquela cruz, revelou a face divina zombando dos poderes humanos (Sl 2.7).
No último dia, a face divina arderá como sol refletida no rosto do Filho. Scruton afirma que o rosto é onde o
julgamento acontece – não como condenação, mas como reconhecimento.
O riso, então, é uma resposta que só pode surgir entre pessoas que se veem, se compreendem, se provocam.
Deus tem uma relação íntima até mesmo com aqueles que o rejeitam. […]Deus é o inevitável, ou
evitável apenas por meio da criação de um vazio. Esse vazio se abre à nossa frene quando destruímos
o seu rosto – não apenas o rosto humano […]. Não nego que ateístas possam ser pessoas de perfeita
retidão, gente muito melhor do que eu. Mas há mais de uma motivação por trás da cultura ateísta da
nossa época, e o desejo de escapar do olho que julga um deles. Escapa-se do olho que julga apagando
um rosto. (2015, p.18)
Portanto, o riso pode funcionar como um espelho da condição humana. É no rosto do Cristo o lugar onde Deus
se fez visível, vulnerável, risonho — e também sofredor. A antiga face sem beleza alguma (Is 53.2) é a mesma face que
homem algum a pode mirar. Os olhos de fogo que fizeram João se prostrar é o mesmo que os santos desejam fitar na
glória (1Co 13.12; 1Jo 3.2). Na mesma face, o riso será de gozo, de zombaria e desprezo – a depender da prepotência
daqueles que tentaram apagar a Sua face ou que provocaram-lhe cócegas.
Eric Liddell, corredor escocês e missionário retratado no filme Carruagens de Fogo, recusou-se a correr aos
domingos por fidelidade a Deus. Quando questionado sobre sua vocação, ele respondeu: “Deus me fez veloz, e quando corro, sinto o Seu prazer.” Esse prazer divino, diferente do riso de zombaria, é o riso de comunhão – o riso que nasce quando o homem vê no elo com Deus o laço e não o nó; ou vê na obediência a liberdade e não algemas. O riso de Deus, então, não é apenas juízo: é também alegria, quando o homem corre para Ele e não contra Ele.
Este riso divino é multifacetado: pode ser de zombaria diante da arrogância dos homens (o texto), ou pode ser
de prazer quando da comunhão com os crentes. Porém, é sempre pessoal, pois só pessoas podem rir com sentido. Ele
é revelado no rosto de Cristo, onde, juízo e graça, dor e poder, vergonha e glória se encontram. Todas as nações que
serão dadas ao Cristo de Deus Naquele Dia serão entregues ao Pai (cf. Sl 2.7; 1Co 15.24,28; Fp 2.9-11; Ef 3.15).
O riso de Deus nos aponta verdades que devem consolar-nos e direcionar-nos em um mundo que parece
zombar de Cristo e ser injusto para com os santos de Deus:
1. O que nos afronta em nada é uma afronta a Deus. A resposta de Deus através de Seu Filho Jesus não acontece
porque Ele é afrontado em sua força, mas sim em sua santidade. A cruz é a resposta de Deus à sua própria santidade.
Ele odeia o pecado e o mal.
2. O riso divino cessa com o juízo (e a alegria é consumada). Enquanto aqui o riso de zombaria divino é uma
metáfora, um dia será concreta (Mt25.21).
3. A mesma face que rir de zombaria ri de prazer genuíno. Como um pai que corrige o filho, mas ainda o mantém
em seu colo protegido, assim é Deus para com os seus. Aos seus, a voz que corrige nunca apaga o riso de amor.
Espere. Haverá um dia em que, finalmente com Ele, a gente só chorará de alegria. Isso no céu poderá, não é
mesmo (Ap 21.4)?
Eliandro Cordeiro
Maringá, 10 de nov. 2025.
O galo valentão no quintal: “Hoje eu não canto. Que o mundo vire um caos. Kkkk” (Sl 2.4)
O rádio da cozinha, que se ouvia lá no quintal: “E para você que sairá cedinho: não esqueça do protetor solar. 40 graus, hoje!”
O galo: “Será que perceberão? Ainda dá tempo! – có có ri có có…”
