A alegria de hoje.
“Mas muitos dos sacerdotes, dos levitas e dos líderes de família mais velhos, que tinham visto o antigo templo, choraram em voz alta quando viram o lançamento dos alicerces desse templo; muitos, porém, gritavam de alegria. Não era possível distinguir entre o som dos gritos de alegria e o som do choro, pois o povo fazia enorme barulho. E o som foi ouvido a grande distância.” (Ed3.12,13)
A reconstrução do templo em Jerusalém trouxe à tona um misto de emoções. Enquanto muitos celebravam
com júbilo, outros choravam ao lembrar da glória do templo de Salomão. Os jovens se alegravam com o que viam- a
promessa se cumpriu. Já os anciãos, choravam por causa do que já viram um dia. “Este é pequenininho, sem brilho…”,
provavelmente pensaram. Não entendiam que aquelas paredinhas eram como urânio enriquecido- seus poder
explodiria lá na cruz provocando a “melhor destruição” construindo um Templo indestrutível.
A mistura de alegrias e tristezas nos convidam a refletir sobre nossas próprias alegrias e discernimento no
momento. Não é errado sentir saudades do que foi bom. Mas há um risco real quando a saudade se transforma em
obstáculo para viver o que Deus nos concede agora. Há bastante versículos que, embora não nos instiguem a
vivermos dissolutamente, nos ensinam a viver o dia com alegria confiados nos cuidados do Senhor (Sl 118.24; Mt
6.24ss; Hb 3.13,15; Tg 4.13-17).
A alegria do presente exige consciência da realidade atual – o que alguns chamam de “facticidade”. Essa
palavra não se refere ao que é factual, mas ao que existe diante de nós, o hoje. Segundo Heidegger, facticidade não
é só o que está acontecendo – é como a vida nos acontece. A gente vive, sente, decide, e nem sempre entende de
onde veio tudo isso. É o “aqui e agora” em que já estamos mergulhados, mesmo sem escolher.
Ora, o cristão não entende o mundo como uma sopa de letrinhas jogada para o alto na esperança de que no
chão, se formem, aleatoriamente, palavrinhas. Mas, também, não é ingênuo. É nesse chão – com alegrias e
limitações, expectativas e cansaços- que Deus nos encontra. Ele não espera que a gente esteja pronto, forte ou
perfeito. Só espera que, com o hoje (o ‘Templinho’) a gente faça o melhor louvor. É na realidade do dia de hoje que
a graça põe tijolinho sobre tijolinho, e depois nos abriga.
Contentar-se com o que Deus nos dá hoje é um exercício espiritual. Ainda que os recursos pareçam menores
e as realizações mais modestas, há graça suficiente no dia de hoje. Não é necessário viajar à Europa para celebrar
uma boa viagem. O Paraguai, se for o destino, também é presente de Deus. Alguém que deva duzentos reais não se
lamentará de ter encontrado cem reais, só porque não é o suficiente para cobrir a dívida. Deixará os cem reais no
chão fingido não o ver? A dívida é menor se eu tiver cem reais em mãos, né?
A alegria que foi grande ontem não precisa obscurecer a que está disponível hoje. E, conforme a história da
Redenção, nem sempre o que é menor hoje, significa ser mais fraco, pobre ou vulnerável do que o anterior. O Templo
de Salomão tornou-se obsoleto diante do corpo glorificado do Salvador.
O fundamento da verdadeira alegria nasce ao reconhecer as experiências passadas como sombras que
ajudam a moldar os alicerces do presente. Saudosismo não constrói casas. As memórias devem nos inspirar, não nos
paralisar. O contentamento surge quando conseguimos viver o hoje sob essa sombra, sem nos prender ao passado.
E mais: a grande verdade que atravessa tudo isso é que não há alegria maior do que a de estar em Cristo. Ele
é o verdadeiro templo – aquele que supera em glória qualquer construção humana. Como está escrito, “a glória desta
última casa será maior do que a da primeira” (Jr.3.16; Ageu 2.9). Jesus disse: “Destruam este templo, e em três dias
o reconstruirei” (João 2.19). Em Sua morte e ressurreição, Ele se tornou o lugar onde todos os povos homens podem
se encontrar com Deus (Jo 12.32-36).
Não é o tamanho da obra que importa, mas a alegria grata com a qual se entra bem lá no fundo dela, no
“hoje”, no agora e celebra a grande bondade de Deus. Aquele que é Onipotente não diferencia tamanhos quando o
assunto é realizar o que deseja. Então, ele pode transformar um barraquinho na Rocinha num palácio, a caixa d’água
em piscina olímpica e pão com margarina em Big Mac.
Quando a alma é grata agora, o que parece pequeno pode ser apenas um tijolo lembrando que vem aí uma
construção. A alma atravessa o tijolo e alcança o poder de Deus que gruda tijolo sobre tijolo, até que o hoje se torne
toda uma vida. E, o pouco se torna em muito, o frágil em glorioso (Is53.2,3). É disso que fala Zacarias, profeta no
mesmo contexto que Esdras: ‘Quem despreza o dia das coisas pequenas?’ (Zc 4.10). O começo pode parecer tímido,
mas aos olhos de Deus é uma promessa em crescimento.
Há uma obviedade gritante quando se pensa que o hoje será o ontem amanhã. Contudo, quando somos
saudosistas ou sonhadores demais, o hoje só terá sido grande ontem. Ele será sempre pequeno se comparado com
o dia que virá, e menor se comparado ao que passou. A gente é assim! O óbvio nem sempre é tão óbvio na prática.
E aí, o que você fará hoje mesmo?
Eliandro Cordeiro
Maringá,12, jul. 2025.
Ontem e amanhã, apenas com sabedoria.
Nota:
Heidegger, M. Ontologia: Hermenêutica da Facticidade. Tradução de Renato Kirchner. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013.