A Condescendência do Deus-Homem
“Jesus foi com ele.” (Mc 5.24)
A Condescendência divina- synkatabasis – é o movimento de Deus em se abaixar, de estar junto, de se
colocar no nível da criatura.
A condescendência divina já se revela, por si só, na encarnação, quando Deus se torna homem. Fico a pensálo naquele corpinho a segurar as mãos da mamãe, Maria. Aquele que não caberia em lugar algum, nem se todo o
universo lhe desse espaço (1Rs 8.27). O Deus que com a voz criou tudo o quanto existe, teve que aprender a falar! E
olha que a língua em que pronunciou as primeiras palavrinhas era bem tosca no Oriente.1 O Evangelho nos maravilha ao apresentar-nos Deus (Jo 3.16; Fp 2.7-11)!
Pelas ruas de Cafarnaum, há um homem que chora. Seu nome tem peso. Sua posição, autoridade. Mas hoje…
nada disso segura a vida. A filha escorrega pelas mãos como areia fina, e nem sinagoga, nem status, nem teologia
lhe bastam. No entanto, Aquele que detém o real Poder é o mais humilde de todos os homens (Mt11.29). Jairo perto
Dele é puro orgulho! Jesus, Aquele que caminha sobre as águas, condescendentemente, segue o poderoso caco
humano pela estradinha de terra.
Deus se deixa levar pelas mãos por um homem em desespero, como se o caminho Lhe fosse desconhecido.
Neste caminho, só o desespero Lhe é desconhecido; a dor e o sofrimento são paisagens familiares ao Deus-Homem.
Desde a manjedoura ao Gólgota, Ele os conhece (Is 53.3).
Lembra daquele antigo hino cristão- “Segura na mão de Deus”? Como licença poética funciona. Porém, a
verdade é mais íntima: Jairo não sabia, mas, no caminho da dor, não era ele quem segurava as mãos de Jesus; antes,
era o Próprio Deus que agarrou firme a sua mão. Ele carrega Jairo pela sombra (Sl 23.4) – segura com Sua Luz- até
arrostar-se com aquela que torna qualquer sono em pesadelo- a morte. Porém, grudado à mãos do Senhor, a morte
é apenas um sono.
O que o Evangelho de Marcos quer nos ensinar é que, embora nesta vida a gente tenha que sofrer, conviver
com a dor e a realidade da morte, um dia haveremos de ressuscitar. No momento, a morte, realidade dolorosa, é
apenas um sono àqueles que confiam em Jesus. Naquele Dia, o nosso sono será desperto para uma Grande
Realidade: a Eternidade.
Se não bastasse a Jairo o percurso doloroso até à sua casa, Jesus ainda para a caminhada a fim de perguntar
sobre alguém que o havia tocado. Meu Deus, Jesus! Imagino Jairo se virando do avesso. Pois, o Tempo passa e a
morte parece ganhar força. Parece lógico (Lc 8.49). Mal sabe ele que, a eternidade se insinua no instante em que
Jesus segura a nossa mão.
E não é que Jesus sabia quem o havia tocado, bate um papo com a pessoa, e só depois continua a caminhada?
A cena é pertinente. Sabe quando a gente ora para valer e, quando parece que a bênção está chegando, Jesus
abençoa o vizinho e a gente sobra?
Caminhamos algumas vezes em desespero- é verdade-, mas, o Tempo nem sempre caminha ao lado da
morte. O Tempo é submisso ao Senhor Jesus e a morte lhe é arrastada com paciência através do Tempo. Cristo a
arrasta até à beira do abismo, onde será lançada como folhas secas ao fogo (1Co 15.26,54ss). Depois, o Tempo será
só a Eternidade (Ap. 11.15; 22.5).
Sei que há momentos na vida em que parece que somos nós quem nos agarramos às mãos de Deus e o
conduzimos até a nossa dor. Sentimos como se Ele nos seguisse perdido, sem saber onde dorme o sofrimento.
“Tadinho! Não sabe onde mora a minha dor. Preciso conduzi-lo rápido, antes que ela seja a minha morte!” Na
verdade, somos nós que nada sabemos da nossa dor.
Ora, não sejamos ‘bobinhos’! Nossas mãos não tem forças o suficiente para carregarem Deus ao local da dor.
Exceto se Ele, como um Pai atencioso, não finja que é o filhinho quem o conduz pela calçada da vida permita-o
acreditar que conhece o caminho (Jo 15.5). E Jesus segue com Jairo não pela Força que possui, mas pela intenção
do que há de fazer (Jo 2.25; 6.6).
Então, não fará mal algum você pedir a Jesus para que lhe dê as mãos e o conduza humildemente aonde dói.
Porém, faça-o confiante que, nessa caminhada, a bem da verdade, é Ele quem te agarra pelas mãos.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 09, jul. 2025
Vem comigo, Senhor!
1 O aramaico galileu, dialeto falado por Jesus, era considerado uma forma popular e rústica da língua semítica usada na Palestina do século I.Estudos indicam que esse dialeto possuía características fonéticas distintas e era menos refinado que o hebraico clássico, reservado ao culto religioso. Ver: GZELLA, Holger. Aramaic: A History of the First World Language. Eerdmans, 2021.
2 Karl Barth, em sua Dogmática Eclesiástica (IV/1), afirma que Deus é tão absolutamente divino que pode, em liberdade, tornar-se verdadeiramente humano. Não é uma negação da divindade, mas sua expressão mais profunda. Cf. SEABRA, Breno. Cristologia, sofrimento divino e esperança cristã na teologia de Karl Barth. Unus Mundus, n. 4, Belo Horizonte, jul-dez 2024. Disponível em:<<https://unusmundus.academiaabc2.org.br >>