A Verdade sobre o amor e a mentira sobre o poder.
Devocional em III João.
A epístola mais curta do Novo Testamento, mas carregada de contraste entre dois perfis de liderança e
espiritualidade dentro da igreja.
Entendida melhor se junta às duas epístolas anteriores, dois homens nesta epístolas fazem a prova explícita do que
é a verdade: o amor prático, ou em movimento (v. 5,8). E, não se trata de uma doutrina teológica de difícil
assimilação. Neste caso, Diótrefes e Gaio tem um tema em comum: a hospitalidade.
O cristão não é aquele que domina, mas aquele que se submete.
Tal submissão não ocupa a posição de escravidão, antes, poder sobre o espírito que quer se exaltar.
Quem ama domina muito mais do que aquele que só possui o poder de o fazer (Fp 2.5-8). Pelo menos é o
que a atitude acolhedora e pacífica de Gaio demonstrou às lentes de João.
Entende-se aqui um olhar penetrante para distinguir entre a autoridade que nasce do amor e o controle que
se disfarça de poder espiritual. Essa é uma inversão evangélica do paradigma mundano – submeter-se com amor é
mais poderoso que dominar com autoridade fria (Mc 10.43-45).
Esta pequenina carta tange aos distintos tratamentos que o apóstolo João e alguns irmãos recebiam de dois
líderes da Igreja- Diótrefes e Gaio. A singularidade com a qual Gaio recebia os pés cansados dos servos de Cristo era
estímulo aos crentes. Ainda mais se em contraste ao comportamento de Diótrefe. Este, segundo o apóstolo, escolhia
os pés a escaldar.
Uma simples atitude de hospitalidade, o exercício de um dom divino (Rm 12.6-13) foi o suficiente para uma
cartinha apostólica. Se é importante, por que não nos é, igualmente, importante pensá-la?
Dois tipos de cristãos encontrados por João:
Comecemos por aquele que deixa qualquer alma desalojada, entre espinhos, mesmo que em SPA espiritual:
Diótrefes é aquele que viola a essência do poder- o amor (9,10). João o acusa de “amar a primazia”, ou seja,
desejar ser o primeiro – uma crítica direta à ambição eclesiástica.
Este é o poder que trai o amor: Diótrefes usa a liderança para excluir, resistir à autoridade apostólica e se colocar
acima dos demais. Seu erro não está no cargo, mas na postura. A sua atitude viola a essência do poder, que deveria
ser sustentado pelo amor.
É um retrato do que acontece quando o ministério perde sua alma- servindo à vaidade, não à comunidade.
Segundo Thielman, “Diótrefes não é um malfeitor por causa de suas convicções teológicas, mas sim por causa de sua
conduta: ele ama o mais importante entre eles, maldizendo o presbítero, e, ainda pior, opõe-se aos esforços
missionários dele” (THIELMAN, 2027, p.676).
Gaio, por sua vez, é aquele que excede a força do poder com amor (1-8). João deseja que ele prospere “assim
como sua alma prospera” – indicando saúde espiritual exemplar, contrastando com a pobreza espiritual do outro
obreiro.
Duas igrejas, não muito distantes uma da outra, e o “único oásis nessa paisagem inóspita é o homem a quem
o presbítero escreve: Gaio (v.1)” (THIELMAN, 2027, p. 676). Este é o amor que supera o poder: apesar das forças do
“deserto”, um pequeno oásis traz refrigério ao sedento.
A hospitalidade não é apenas um dom, é mais do que gesto- é a manifestação do amor. Gaio acolhe,
sustenta, edifica. Sua fé está na prática da verdade. Sem dominar, transforma. João se alegra porque vê nele o reflexo
do Evangelho em ação. Como é interessante que um simples gesto de hospitalidade pode demonstrar tamanho
comprometimento com a verdade. Em um universo da igreja incipiente, quando as viagens se tornavam dificultosas
aos cristãos (Mt 25.35ss; At 16.15; Rm12.13; Hb13.2;1Pe 4.9), ter um lugar fraterno para descansar era quase ser
acolhido por anjos (v.6). João entende isso como amor prático (1Jo 1.6; 2.19); ou, “andar na verdade”. O apóstolo
percebe o caráter desses dois homens na disponibilidade de ambos em hospedar os irmãos em Cristo. Sabia que
esse dom era um dos requisito aos aspirantes do presbiterato, segundo o apóstolo Paulo (1Tm 3.2; Tt 1.8).
Quão simples é o Evangelho! Quão singelo e poderoso! Em Gaio, vê-se a hospitalidade como critério
espiritual Mais do que uma prática social, ela se torna expressão visível da verdade. O hospitaleiro Gaio é o tipo de
cristão que lidera sem almejar o título – e por isso transforma mais; transforma casa em SPA- talvez nem tanto.
Diótrefes fecha a porta não só da casa, mas do Evangelho. Entre o poder sem amor e o amor que serve, o
Evangelho escolheu o segundo. Gaio constrói uma ponte de afeto. A mentira do poder está em pensar que podemos
liderar sem amar. A verdade do amor é que ele lidera mesmo quando não tem cargo. Ou, quando tem, até o gesto
mais simples se torna poderoso.
Gaio conquista um lugar na memória espiritual de João, mais do que qualquer destaque de sua posição
espiritual. Será que pessoas de alma gigante são as que lá de cima enxergam tudo de baixo para cima?
O apóstolo me fez pensar que esses dois modelos de autoridade não estão apenas no texto bíblico- vivem
dentro de nós. Como pensava Jung: luz e trevas. E eu, aqui: Diótrefes e Gaio (Calma… Sei que Jung não é um bom
hermeneuta das Escrituras!)
Essa ideia bem pode nos colocar os dois perfis como o nosso espelho (TG 1.23,24). Podemos depois do nosso
reflexo se voltar à vida como um dos perfis. Mas, saiba que não é questão de brilho. O amor é força que não precisa
gritar. O poder que não ama, mesmo forte, é vazio. O poder sem amor é apenas controle disfarçado. Já o amor que
serve pode redimir até os ambientes mais corrompidos pela vaidade.
O cerne da mensagem está na afirmação de que podemos liderar sem amar. A verdade do amor é que ele
lidera mesmo sem cargo.
É mentira que o poder domina, sempre forçando o outro a se inclinar, ainda que sem vontade, àquele que
lhe ordena por obediência.
É verdade que o amor domina, até mesmo o poder, fazendo com que se incline por livre vontade quando
pede licença e pergunta: “Qué um cadiquim de café?”
Eliandro Cordeiro
Maringá, 20, jul. 2025
Sofá de napa,
Vermelhão no chão;
Café em bule amassado,
Que verdade em deixar à vontade.
Cama de sultão,
Chão escarpado em mármore,
Champagne em taça de cristal,
Tudo para deixar à vontade;
Há um ar de artificialidade!