“Aleijados no Céu”
“Se o teu pé te faz tropeçar, corta-o; é melhor entrares na vida aleijado do que, tendo os dois pés, seres lançado no inferno.” (Mc9.45)
“É melhor coxear no caminho do que correr fora dele.” – Santo Agostinho
O Céu não é para os perfeitos, mas para os dependentes da graça.
O que significa chegar “inteiro” ao inferno versus “aleijado” ao céu?
A luta contra o pecado custa caro, e, às vezes, nos deixa marcados, com cicatrizes, renúncias visíveis. Isso
não é punição divina, é graça – não perda. Afinal, avançar mancando ainda é avançar, não?
A corrida cristã é mais sobre rumo do que ritmo. Ela nem sempre é bonita, mas precisa ser no rumo certo.
Não é sobre quem chega primeiro, mas sobre chegar.
Jesus não busca corredores perfeitos, mas seguidores dispostos a largar tudo que os faz tropeçar.
Jacó, depois de lutar com o anjo, mancou por toda a vida para que pudesse subir as escadarias dos céus.
Nessas escadarias, ele, em sonho, viu anjos subindo e descendo. Via-os, cabeça confortável em uma pedra, ouvia de
Deus promessa (Gn 28.10-22).
Ora, os que mancam por terem lutado com Deus são justamente os que Este leva escada acima. Suas feridas
não os impedem de subir(Gn.32.25). Parece-me que mancar não é o que exclui a promessa. Pode ser o que a garante,
não?
Mas, não pense que a mutilação é a razão de Deus os puxar para cima. Deus os puxa porque não andam, não
veem, não ouvem, não tocam… nada sem Ele (Jo.15.5) As marcas que autenticam suas novas identidades chamamse Graça, a ferida do amor: “Feriste meu coração com tua palavra e eu te amei”, exclamou Agostinho com o coração
ferido de alegria (AGOSTINHO, Confissões, X.6).
Jesus não está promovendo automutilação. Ele fala sobre amputar o que nos prende ao pecado. Mutilações
espirituais que nos tornam “aleijados” aos olhos do mundo- mas inteiros diante de Deus. Ora, um cego paraplégico
pode ter tantos problemas com luxúria como qualquer outra pessoa. A mutilação física não resolveria o problema,
né?
O céu não é lugar de vencedores ilesos. Todos os que lá chegarem, se verão perfeitos só através das mãos
furadas do seu Vencedor, Cristo Jesus (Jo 20.27; cf. Zc 13.6). Todos os perfeitos que lá serão, chegaram depois de
grandes lutas contra si mesmos. Golias versus Davis.
Ninguém chegará ao céu dizendo “eu consegui”- mas todos dirão: “Ele me agarrou estrada à fora e me puxou
até aqui.” Cumpriu-se aquela ordem: “Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade, e traze aqui os pobres, e aleijados,
e mancos e cegos.” (Lucas 14:21). Deus convoca os quebrados. Os que restam após o convite aos íntegros. Qual
miserável ousaria dizer não?
É evidente que na passagem bíblica Jesus expressa:
[…]em linguagem metafórica a importantíssima verdade de que uma vida limitada, mas moralmente
sadia, é melhor do que uma vida mais ampla, mas moralmente depravada. Esta é a verdadeira autonegação cristã. Se certos livros, lugares, certas atividades e certas pessoas são causa de tentação ao
pecado, devem ser afastados a qualquer custo. O olho é considerado aqui como o meio pelo qual a
tentação vem, e a mão, o instrumento pelo qual o pecado é cometido” (TASKER, 1980, p.55).
O interessante é que, na caminhada cristã, quem é manco é que não tropeça. Os de pés perfeitos saem do
caminho. Não pense que Hermes, com céleres sandálias aladas, chegaria aos céus. Por mais que corresse,se cansaria
no caminho, e nem de longe veria até mesmo os maiores arranha-céus da Cidade Santa (Jo 14.2;1Co. 9.24; Ap. 21.2).
Que tamanha beleza há nas Verdades do Evangelho diante dos mitos gregos! Deus não chama deuses velozes- chama
homens feridos. Não os que voam, mas os que mancam.
Oh, que mundo é este nosso? Incapaz de entender que Jesus inverte a lógica humana que valoriza a estética
da jornada e propõe uma teologia dos “aleijados da graça”: aqueles que chegaram porque amputaram vícios,
enfrentaram batalhas internas e aceitaram a claudicação como marca divina.
Enfim, no céu a estética é outra! Lá rola uma tal de “Teologia da Imperfeição Redimida” – é paradoxal, mas
Verdadeira. ´
Lá, chegar quebrado é não apenas suficiente – é o esperado (Ap 7.13-17).
Eliandro Cordeiro
Maringá, 21, jul. 2025
O Único Perfeito no céu é Cristo,
Suas mãos são perfeitamente feridas,
Prova mais perfeita de amor não há.