Coram Deo: a vida diante de Deus.
Regozijem-se as árvores do bosque diante do Senhor, porque vem julgar a terra.” – 1 Crônicas 16.33
“Coram Deo” não é apenas uma expressão teológica. É um modo de existir. Significa “diante da face de Deus”
– não como postura eventual, mas como estado permanente. Não é sobre onde estamos, mas como estamos onde
estamos.
Davi, depois de errar ao conduzir a arca, aprende a ordenar o culto conforme Yahweh exige (1 Crônicas 15-
16). E quando finalmente ela chega, Asafe canta. E ao cantar, dá à criação voz, fôlego e adoração. Árvores, céus, mar,
campo… todos reagindo. Todos vivendo Coram Deo (1 Crônicas 16.31-33).
Mas esse viver diante da face não é panteísmo – é percepção. É saber que Deus não apenas está em todos
os lugares, mas que todos os lugares estão diante Dele. O primeiro afirma a presença. O segundo afirma a soberania.
Na Reforma Protestante, Coram Deo virou um chamado à integridade vocacional. Não há separação entre
sagrado e secular (1Co 7.20). O crente planta sementes, varre ruas, escreve poemas, prega em praças, ri com os
filhos, vai e volta do seu trabalho -e tudo isso diante da face de Deus.
Os Salmos estão repletos da ideia de Coram Deo: O mar ruge Coram Deo – e isso é ainda mais expressivo
considerando que Israel temia o mar e sua imprevisibilidade (cf. Salmos 93.3-4). O campo folga. As árvores se
regozijam. Não é apenas o testemunho da Beleza de Deus; mas a natureza em adoração a Ele. E o homem – único
entre todos os seres – contempla e percebe. Ele é quem liga o louvor da natureza à consciência da glória.
Você pode fazer um culto na igreja com os irmãos, mas também pode fazê-lo no centro da cidade, no
mercado ou no bosque. Pode cobrir uma semente de terra e ali está o altar. Pode amar o próximo e ali está o incenso.
Pode contemplar a beleza de uma flor e ali está o cântico.
Tudo o que existe é uma analogia da grandeza de Deus (Colossenses 1.16,23; Hb 4.13). E tudo o que tocamos
pode ser um eco da santidade – se for tocado com reverência. Porque “todas as coisas foram criadas por Ele e para
Ele.”
Uma coisa é saber que Deus está em todos os lugares; outra é saber que todos os lugares estão diante Dele.
Eis o mistério que move o coração de quem vive Coram Deo. Porque amar o Deus invisível é amar aquilo que ecoa,
vibra, persiste e não se dispersa.
Como Paulo escreveu: “Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para
a glória de Deus” (1 Coríntios 10.31). E também: “Tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em
nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Colossenses 3.17). E Pedro reforça: “Se alguém fala, fale de
acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja
Deus glorificado” (1 Pedro 4.11).
Evidente que Coram Deo não significa obsoletização da Igreja, a congregação dos crentes em adoração em
um lugar e dia estabelecidos. Antes, a certeza de que o Deus da Igreja é maior do que o mundo todo. Fica claro que
Davi não pode conduzir a arca de qualquer maneira. Mesmo no Antigo Testamento, a ideia de um lugar e rito na
adoração são necessários, enquanto, também, a ideia de que Deus está em todos os lugares e assim deve ser adorado
existe (2 Rs 5.15ss; 2 Cr 6.18; cf. Jo 4.23,24).
Como disse Agostinho: “Quando amo o meu Deus, é a luz, a voz, o odor (…) do meu interior que eu amo. Lá
onde resplandece a parte da minha alma que não circunscreve o lugar, onde ecoa aquilo que o tempo não leva (…) e
onde se fixa o que o contentamento não dispersa. Eis aquilo que amo quando amo o meu Deus” – Confissões X.8
Ora, Coram Deo é também a ideia de referência, já que todas as coisas estão diante Dele.
Moro na cidade de Maringá-PR. Algo nela me encanta: a catedral é o centro referência da maioria das ruas
e avenidas. Assim como a Catedral está para todas as avenidas e ruas, estas estão para ela; pois, a igreja está no
centro, tudo o mais é periférico. Grosso modo, digamos que as ruas e avenidas de Maringá são Teo-referentes. Por
analogia, todas as avenidas e ruas, sentimentos, emoções, pensamentos ou comportamentos dos homens são Teoreferentes (Cl 3.17;1Pe. 4.11).
ticas sobre weltanschauung: Uma análise do processo de formação e
compartilhamento de cosmovisões numa perspectiva teo-referente”, que o conceito de ‘Teo-referência’ é um
conceito empregado por D. C. Gomes. Ele descreve a que Deus como o ponto de referência último de toda existência
tanto do homem de maneira geral. Trata-se de uma ideia antes presente em Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, e nosso
coração anda inquieto enquanto não descansar em Ti.” Isso afirma que Deus é o ponto de convergência da vida, e
que tudo só faz sentido quando orientado por Ele.
Logo, Coram Deo e ‘Teo-referência’ são conceitos que se confluem, ainda que sob o Coram Deo, homens
regenerados e não-regenerados se distingam pela direção assumida em suas vidas.
É vidente que você pode pegar rua errada tentando chegar ao centro de Maringá. Mas, talvez não seja mais
o centro da cidade, né? Só Deus sabe onde você vai parar!
Eliandro Cordeiro
Maringá, 16, jul. 2025
O filho que não nasceu,
O peixinho colorido do ignorado igarapé,
A moeda na barriga do bichinho,
O lírio que abriu e você nem viu,
A formiga com o teu doce!
A dor em teu peito,
A dúvida no coração,
Os pensamentos…
Ainda é Coram Deo