De janelas abertas.
“Olhem os lírios do campos, como eles crescem; não trabalham nem fiam” (Mt 6.28).
Tem-se aqui uma ordem do Senhor Jesus a todos os corações ansiosos: “Olhem para os lírios do campo!” Porque não ordenou aos discípulos que olhassem as Tábuas da Lei? Por que não, em meio ao seu discurso sobre os cuidados dessa vida, nos lembrou de Êxodo 16? Antes, apresenta às almas embotadas o trinco da janela e diz: “Olha aquela florzinha lá fora!
O que parece um enfeite poético ao seu discurso, é, na verdade, um luz forte que rompe a escuridão da alma ansiosa. Para o ansioso, a luz que entra rapidamente pela janela que se abre pode doer os olhos da alma. É mais do que despistar a mente da sua preocupação; é dar ao coração o valor da vida. Ele não bate em vão.
Sem dúvida, a alma ansiosa só enxerga por meios táteis. Guia-se por aquilo que ela julga ser a coisa, e não pelo que a coisa é mesma. Tateia todos os cômodos escuros da casa, mas suas mãos nunca alcançam as janelas. Encontram apenas “necessidades desnecessárias”. Exausta, a alma, com rosto entre os joelhos, encosta à parede de esperanças falsas, janela do seu quarto fechada, não consegue vislumbrar a luz do dia.
Lá dentro, a alma ansiosa assobia, faz jardim; deseja trazer todos os pássaros e lírios para a sua casa. Quer a casa viva, mas com as janelas trancadas. Porém passarinho e lírio amam a vida lá fora. Lá fora eles são ricos, bem vestidos e admirados. Se o ansioso abrisse a janela…
Parece-me que todo o ansioso tem os olhos fixos, voltados insistentemente para si mesmos. Não observam nada além do seu interior. Voltam-se para o profundo de suas almas à procura da certeza que o pardal tem, ou asegurança do lírio que dorme em paz lá no campo. Quando dormia com as janelas abertas, Deus lhe invadia o quarto e o despertava com o beijo do sol. Agora, só sente segurança nas janelas fechadas.
Este versículo acima é tecido poeticamente num discurso do Senhor capaz de encantar os ansiosos da janela trancada. A ordem de Jesus é: “Abram a janela!” Não simplesmente para que entre a luz, mas para que o ansioso voe através dela e se plante no campo. A tradição cristã é a de que a alma se volta para dentro de si a fim de encontrar Deus. Uma vez que somos a sua imagem, é certo que eliminaremos todas as coisas fora de nós (animais, plantas, grãos de areias e enormes
constelações) posicionando-as menores do que o sujeito e apontando para Aquele que nos é Maior.
Assim entendeu Agostinho em seu itinerário filosófico no livro das Confissões: “Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo.” E, anterior a esta citação, o texto prorrompe: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova!” Donde vem a Agostinho essa ideia do movimento da alma, senão da clara verdade de que ‘A
Beleza’ nos tira para fora. Nos força a abrir a janela e descobrir a vida (no caso, Deus). Não é, por ventura, a Beleza a
Verdade percebida sensivelmente?
Contudo, há o perigo de que a alma se volte ao seu interior não mais à procura do Seu Criador, mas de si mesma, de exacerbado cuidado. Neste caso, esta alma procura encastelar-se de cuidados denodados de egoísmo e/ou incredulidade. Qualquer itinerário interior que não abra as janelas e chegue à Beleza é ilusório.
Por isso a ordem do Senhor: “Abram a janela da alma! Olhem para fora!” Jesus atravessa o estético e a mera contemplação da natureza: “O Deus que cuida das enormes coisas do mundo, cuida das pequenas com a mesma perfeição!” Deus não tem olhos apenas para as coisas que os homens julgam importantes. Segundo Jesus, tudo o que Deus faz é importante para o seu Amor. Porém, numa escala de valor divino, o homem ocupa posição
privilegiada.
Abram a janela e olhem! Olhem para as coisinhas da vida. Elas são complexas e importantes. Acredite. É delas que teremos saudades. Você não têm saudade do cheiro do pão caseiro da tua vó? Já considerou que as tuas lembranças de infância repousam em coisas pequenas que na época eram maravilhosas? O peixinho no aquário era uma cachalote no oceano. Hoje, a gente procura pelas vestes finas do Rei Salomão porque não vemos o lírio lá fora.
Que paradoxo enorme! Eu me curvo para ver o lírio e encontro nele a lógica da beleza divina em mim! Parece que Deus não está muito preocupado com qualquer apreciação para consigo mesmo. Ele deseja que nos curvemos à procura de uma beleza que Lhe seja menor. Daí o paradoxo: Se no campo essas coisinhas exercem uma admiração quase venerável (onde ninguém as vê), conclui-se que uma Beleza Superior se dá conta oniscientemente de todas as coisas. Onde estão os lírios? Do lado de fora; lá no campo. É necessário sair e procurar. Ora, isso significa que o remédio para a ansiedade não é produzido pela alma própria. A alma é incapaz de consolar-se a si mesma. Está lá fora a sua consolação. A luz nos é dada- não é natural.
Jesus diz que o lírio cresce sem que eu o regue: “olhem como crescem!” Que entusiasmo ao ver uma flor despojada tomando o sol da manhã e a chuva da tarde! Ela cresce! Mas, como cresce? Abra a janela!
Perca-se admirando mais as flores do que os teus finos tratos! Debruce-se na janela da alma e veja a flor que murcha enquanto outra imediatamente eclode em cor exuberante. Como cresce?
Você nem se deu conta da flor que murchou ontem, pois, a vida engole a morte.
1 Para quem o lírio se
ataviou? Desperdício de cores? Maquiou-se todo no ermo e você nem o visitou? Todo perfumado e você nem deu um cheiro nele?
Jesus não nos diz que somos os lírios, mas que os vejamos e observemos como crescem. Somos mais do que eles!2 Entretanto, o lírio cresce e se embeleza sem se importar se homens o veem ou não, já nós, queremos saber o “como” crescem. E este é um mistério de Deus.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 23, fev. 2025
Quero uma casa com janelas de vidros, sem cortinas.
[“Eu quero um casa no campo…”