“E isso tudo é apenas a borda das suas obras! Um suave sussurro é o que ouvimos dele. Mas quem poderá compreender o trovão do seu poder?” (Jó 26.14).
“Não gostam que o prendam… O importante é não pressioná-lo, porque, como sabem, ele é selvagem. Não se trata de um leão domesticado.” (LEWIS, CS, As Crônicas de Nárnia: O Leão, A Feiticeira e O Guarda-Roupa).
Gosto do que Lewis disse acima. Não deixa nenhum crente com a pretensa soberba do monopólio divino.
Para Deus não existe extremos entre maior ou menor, baixo ou alto, forte ou fraco. Nenhuma intimidade
com um santo O prende, tampouco, é dominado pela ira. O amor não o escraviza e o seu poder não invalida a Sua
misericórdia. Todos os atributos divinos, toda a Sua Perfeição, são, na verdade a manifestação de sua Natureza
Simples, Única e indivisível.
Esta é a imagem tranquila que as Escrituras nos apresentam o nosso Deus: O Criador do universo traz tudo
à existência mediante a sua palavra. No extremo oposto, Ele torna a regenerar o mundo mediante o silêncio do
Cordeiro Mudo (Is 53. 3-7; Mt 26.63-65). O que é fraqueza para os homens é evidência do Poder de Deus assistida
pelos demônios quando Cristo atraia todos os homens para si no Calvário (Jo. 12.32;1Co 1.25).
Ora, quão misteriosa é a cruz, a morte do Salvador! Ele morre poderosamente em fraqueza. Ele cala a morte
com o Seu silêncio. “O Cristianismo sempre apresentou suas doutrinas-chave como uma série de paradoxos. […] A amplitude e a complexidade da fé cristã são expressas em termos de polaridades não contraditórias: Lei e Evangelho, pecado e graça… Os gregos e seus herdeiros intelectuais tendem a pensar em meio-termo, um acordo entre dois pontos. O Cristianismo tende a pensar em termos de ambos/e.” (VEITH JR. 2006, p.124)
Sei que o pecado, o sofrimento, o mal e a dor podem nos ofuscar o brilho do Sol da Justiça (Ml 4.2). Tendemos
a polarizar o mundo. Mas, como numa noite escura o homem sabe que o Sol está lá a brilhar forte, noutro lado do
hemisfério, assim a fé guarda o coração do crente livre das sombras da incredulidade (Fp 4.7,8; Jd1.24).
Jó, em meio ao sofrimento inexplicável, embora paciente e fervoroso no Senhor, questiona a dor. Há silêncio
divino após os dois primeiros capítulos do livro. Nos milhares de lágrimas que caem do livro em forma de letras só
ouvimos o solução humano. O homem se queixa, pergunta… E Deus é o ouvinte paciente. Ao ouvir em silêncio, às
vezes, é visto como indiferente, quando é justamente o contrário.
Depois de Jó esvaziar toda a alma, é a sua vez de ouvir. Deus responde com perguntas. É o suficiente para
que Jó perceba a enorme distância entre o mortal e o Eterno (Jó 38-40). Mas, ainda assim, o Deus Totalmente-Outro
é condescendente. Sabe a dor humana e balbucia amor ao coração do homem (Is 57.15).
Sabe, não deveríamos nos acostumar com Deus. Algumas vezes, Deus sussurra-nos o nome, noutras, Ele
troveja. Tem dias que somos tratados como Elias: um menino-grande (1Rs 19.1ss). Acostumado ao Deus Pirotécnico,
que sopra forte as nuvens para chover ou parar de chover, descobre o Deus que sopra leve o vento- como brisa. Com
voz mansa, chama o profeta para fora da caverna (É isso que o faz sair do buraco, né?).
Noutras vezes, Deus chama com voz de trovão. Jeremias, o profeta, por exemplo, achou-se uma criança.
Deus, porém, o trata como um homem (Jr 1.5,6). Ninguém deve se acostuma com Deus. A “fé engessada” (Sl 50.1ss)ou a teologia que não ensina primeiro o coração nos revela uma Religião organizada (Is 58.1ss), mas não o Deus, pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Encontramos uma estrutura lógica e bonita, mas não o Deus Salvador.
Aquele que conhece a Deus mediante Jesus Cristo, sabe que Deus não é domesticável. Em algum momento
da história Ele é o Leão, noutro, é o Cordeiro (Ap.4-7). Tanto num, quanto noutro, nunca o É apenas aquele (IS
51.12,13). Deus é o sussurro trovejante e o Trovão silencioso. Em um dia Ele troveja ao Jonas fujão e o engole vivo.
Três dias depois, Deus providencia sombra para o desobediente e lhe fala amigavelmente, ensinando a coerência
moral do amor: “É razoável, Jonas?”
Mas, e Jó? Por quanto tempo as suas dores sufocaram o sussurro divino? Só no final do livro é que Deus fala
ao homem que sangra. Manteve-se em silêncio por mais de 30 capítulos! E quando fala ao homem, este não obtém
respostas sem que Deus o faça revisitar a alma.
Mas, é este movimento que sossega a alma do sofredor. Depois de ouvir as acusações dos “teólogos amigos”,
com os seus conselhos e explicações sobre as ações de Deus relativas às suas perdas sequenciais, sofrimentos, e
depois de todo o seu lamento e indignação (pela complexidade da existência humana), a maior atitude de Jó surge.
E vem depois das perguntas de Deus: Põe a mão na boca e abre os ouvidos a Deus (Jó 40.4).
Estamos tão acostumados ao barulho do outro quando falamos dos nossos sofrimentos que, quando o outro
só nos ouve e nada nos diz, julgamos o seu silêncio, a empatia, como indiferença. Em 36 capítulos Jó fala e Deus está
calado. A voz de Deus só é ouvida nos capítulos finais. Dentre tantos motivos, que só Deus em Sua Sabedoria conhece, a mim só cabe imaginar que o silêncio se faz para ouvir o coração dói. O coração que dói quer gritar e falar, falar, falar e falar… Jó tem a Deus atencioso; não indiferente (Êx 3.1-8; Sl 50.15).
1 Para manter o “espírito livre” na devocional, não me retive à norma alguma de escrita/citação.
Aliviado (?) Jó tem que se calar. Precisa encontrar-se com Aquele que é maior do que o seu sofrimento (Jó
23.3). Imagino que as perguntas que Deus fez ao homem foram como sussurro e trovão (Sl 29). Inquieta saber-se
ignorante quanto os caminhos de Deus. Por outro lado, ser conduzido por Ele em nossas dúvidas é confortante. As
perguntas dirigidas a Jó podem humilhar, mas, consolam muito mais (Jó 42.2). Saber-se sofrer sem propósito ou sem alguém que imponha limites ao sofrimento, deve ser desesperador (Ap 21.4).
O mistério de Deus descortina-se em perguntas (que não são fáceis de se ouvir) às respostas que o homem
deseja ouvir (Jó 42.4). Ao menos aqui concordo com Ivone Gebara: “A teologia deveria, em não raras vezes, agir como Jó e conter seu excesso de palavras. Silenciar para preservar o lugar da fala de Deus, que nos remete necessariamente ao mistério e ao indizível/inaudível; […] Assim, a teologia, ao pôr a mão sobre sua boca, como Jó, tem a chance de abrir-se à escuta do “grito das entranhas humanas.”
Ora, sem obrigação alguma, Deus responde a Jó. Livre, Soberano, Amor, Todo-Poderoso, ouve um homem
que sofre. Aliás, mais do que ouvir, acompanha-o – é o que se conclui por todos os capítulos do livro. A apresentação
que Deus faz de Jó a Satanás não é uma observação comportamental; é exposição moral, um conhecimento de
natureza! Deus sabe de Jó o que este nada, ou tão pouco, sabe de sobre mesmo (Jó 1.1,8; 2.3).
Às vezes, a voz de Deus nos parece com um trovão; às vezes, um sussurro. Ao desespero da alma, Ele troveja
para que percebamos o Seu poder. Ao sofrimento do coração, Ele nos sussurra: “Xiu… Calma… Tá tudo bem…”, para
que entendamos que Ele não precisa gritar para provar que é o Único Deus (Sl 29.3-10). Gosto de pensar que é o que
ouço-O me dizer nas tempestades, quando os relâmpagos ressicam os céus (Jó 37.2-5).
Eliandro Cordeiro
Maringá, 26, mar, 2025.
Com a minha mão na boca, ouço sussurro e trovões (Mesmo em céus azuis)