Economia dos afetos
“Pois até a ira humana há de louvar-te; e do resíduo das iras te cinges.” (Sl 76.10).
Em Deus nada se perde. Na estrutura criacional, pensamentos, palavras, razão, afetos e comportamentos
(Mt 12.36; Mc 1.27-24; 12.30; Cl 3. 23,24) são sustentados pela palavra do seu poder (Hb 1.3). Aquele que impôs
as leis físicas (Jó 26.10; Pv 8.28,29) criou com elas também leis invisíveis (Gn 3.16; 39.21; Rm 1.20,21; Cl 1.16-18).
Tudo é feito para a Glória do seu Nome (Sl 19.1; Cl 3.17; 1Tm 4.3-5) não como um ato egoísta ou de uma
solidão de carência eterna (Sl 90.2; Pv 30.1-4). Era-lhe impossível ser diferente, uma vez que Nele converge,
ontologicamente, todo o rio de Verdade e Perfeição.
Facilmente lembro-me do que A.W.Pink explicou sobre esta solidão divina. Gostaria que você a lesse com
calma:
Houve tempo, se é que se lhe pode chamar “tempo”, em que Deus, na unidade de Sua natureza, habitava só (embora subsistindo
igualmente em três pessoas divinas). “No princípio… Deus…”. Não existia o céu, onde agora se manifesta particularmente a Sua
glória. Não existia a terra, que Lhe ocupasse a atenção. Não existiam os anjos, que Lhe entoassem louvores, nem o universo,
para ser sustentado pela palavra do Seu poder. Não havia nada, nem ninguém, senão Deus; e isso, não durante um dia, um ano
ou uma época, mas “desde sempre”. Durante uma eternidade passada, Deus esteve só – completo, suficiente, satisfeito em Si
mesmo, de nada necessitando.
Se um universo, ou anjos, ou seres humanos Lhe fossem necessários de algum modo, teriam sido chamados à existência desde
toda a eternidade. Ao serem criados, nada acrescentaram a Deus essencialmente. Ele não muda (Malaquias 3:6), pelo que,
essencialmente, a Sua glória não pode ser aumentada nem diminuída.
Deus não estava sob coação, nem obrigação, nem necessidade alguma de criar. Resolver fazê-lo foi um ato puramente soberano
de Sua parte, não produzido por nada alheio a Si próprio; não determinado por nada, senão o Seu próprio beneplácito, já que
Ele “faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Efésios 1:11). O fato de criar foi simplesmente para a manifestação
da Sua glória (Os Atributos de Deus, PES).
Ora, para o Ser que tem esta “natureza” até mesmo o mal e/ou a ausência do bem acabam por reverberar
a Sua perfeição (Rm 9.22). E, até mesmo a ira humana um dia manifestará, por claro contraste, a longanimidade,
bondade e paciência divinas (Êx 14.4; Rm 2.4; 9.17). Pois, mesmo a bondade humana, se contrastada à Bondade
Divina, parecerá maligna (Rm 3.4,5; 7.18ss). Até o inferno confessará, ainda que tomado pelo poder do mal, a
Santidade de Deus em emitir juízo, bem como, a resposta aos impropérios recebidos por séculos, principalmente
quando na cruz.
Portanto, se há algum ato de justiça do homem em resposta à ira de Deus, tal ato fala por intermédio de
Cristo. A ira de Deus se satisfez Nele (Rm 3.25; Gl 3.13;1Jo 4.10), quando os homens apregoaram nas mãos do Seu
Filho todo o ódio ao Seu amor (At 2.23,24).
Ah! Como é consolador, inda nesta vida, saber que haverá um Dia em que todo o homem perverso verá a
vitória final do Senhor dada aos seus pequeninos amados (Lc 12.32; Cl 1.27).
Portanto, suporte fielmente o ódio, sem motivo, dos homens contra você sabendo que odiaram antes ao
Senhor (Jo 15.18, 25). E tais odientos serão justamente punidos.
Saiba que a providência divina não se restringe apenas ao alimento e a roupa. Deus também, zelosamente,
cuida de todos os afetos malignos deferido contra Ele e aos servos seus. Mesmo a mais perigosa ira não pode
transbordar além do limite determinado por Deus (Ap 20.7-10).
Não duvide: Deus transforma até os afetos mais pecaminosos em instrumento de Glória ao Seu Nome.
Ele transforma o mal em bem e o ódio em justiça (Gn 50.19,20; Ne 13.2)
1
. E nem mesmo o sofrimento e a
tristeza dos crentes são desperdiçados (Sl 56.8; At 9.16).
Eliandro Cordeiro
Itapema, 10 de jan, 2024
Um ex-inimigo de Deus, agora, guardado de Sua ira (Rm 8.31,32).
1“Ora, por mais que não seja saboroso ao paladar aquilo que nos lábios dos crentes é deleite (… ) Até mesmo “Satanás é um instrumento de
sua ira. Ora, com que propósito, senão exaltar a sua glória, diríamos que Deus trabalhou pelas mãos de Satanás? Você pensa que poderá
fugir dessa pergunta com piadas de mau gosto, dizendo que a justiça não é atribuída a Deus a partir do engano. Mas será que você poderá
impedir Deus de produzir material da maldade para a sua própria glória?” CALVINO, J. A Providência Secreta de Deus. São Paulo, Cultura
Cristã, 2012, p 84