
Então, em angústia, o que você faz?
Então, na sua angústia, clamaram ao SENHOR, e ele os livrou das suas tribulações (Sl.107.6).
Então, na sua angústia, clamaram ao SENHOR, e ele os livrou das suas tribulações (Sl.107.13).
Então, na sua angústia, clamaram ao SENHOR, e ele os livrou das suas tribulações (Sl.107.19).
Então, na sua angústia, clamaram ao SENHOR, e ele os livrou das suas tribulações (Sl.107.28).
Desconfio se seríamos capazes de orar com mais frequência do que o fazemos caso tudo nos fosse muito
bem. Estranhamente, até mesmo quando tudo pode nos ir muito mal oramos pouco.
Oramos pouco porque confiamos muito pouco em Deus. Não cremos realmente que Ele nos responde as
orações, tampouco, que seja capaz de entender a dimensão de nossas dores da alma. Doutras vezes, nos sentimos
tão envergonhados de pedir sempre as mesmas coisas, perdão pelos mesmos pecados, mesmas incredulidades e,
até mesmo, como no texto, só oramos quando julgamos precisar de Deus.
Certamente, orar não significa esperar que as coisas, tristezas ou necessidades se resolvam de maneira
mágica. Mas também é verdade que algo sempre nos muda quando nos levantamos depois de orar (1Sm 1.18,19). O
cristão sabe que a resposta obtida na oração maioria das vezes não pode ser confirmada como a exatidão
matemática. Deus não tem problema algum em nos dizer, não poucas vezes, um amoroso “não” (Nm 20.12). Maioria
das vezes em que se termina uma oração, não se ouve a Deus na voz do saudoso Cid Moreira, nem vemos anjos. Às
vezes, só nos muda a perspectiva que tínhamos antes de nos ajoelharmos ou nos dá coragem para fazer o que deve
ser feito (Js 1.9; Mt 26.36ss).
É paradoxal, mais a maioria dos cristãos já experimentou ser possível ver mais longe e melhor quando se está
de joelhos Evidentemente que Deus não nos monta às costas de um querubim e vemos todas as coisas como numa
visão panorâmica. Ele “apenas” dobra nosso egoísmo e o verdadeiro motivo de buscá-lo e extrai deles, como
um alquimista de virtudes, um caldo de sabedoria e humildade (Pv25.4; Ez 22.17ss), tendo como base Seu Filho
Jesus (Mt 11.29). Li o salmo conforme deve ser: pus-me em condição desses errantes do deserto e deixei, igualmente, que o
texto me lesse a alma. Eu me vi, como o povo: um povo pidoncho e mesquinho.1
Senti vergonha da minha vida de
devoção a Deus. Perguntei-me se, de alguma forma, atenderia a alguém que me procurasse só quando precisasse
da ajuda minha. No entanto, estou surpreso neste salmo. Deus misericordiosamente atende o clamor de seu
inconsistente povo que quer-lhe mais as bênção do que a Sua bondade. Ele não é como eu. Que alívio! (2Tm 2.13).
O salmo é entrecortado quatro vezes por “Então, na angústia clamaram ao Senhor” (6.13.19.28). Deus responde. O
povo se esquece e volta à ingratidão. Enfim, Israel só ora quando apertado pela angústia.
Você pode se perguntar o porquê Deus permitir tanta angústia ao povo para que assim O busque. Pode,
também, pensar o porquê Deus responde tantas vezes com tamanha misericórdia todas as vezes em que seu povo
O buscar somente quando em angústia. Confesso que talvez seja mais fácil responder a primeira do que a segunda
pergunta.2 O povo deste salmo não era inexperiente e já era bastante experimentados na fidelidade de Deus.
Evidentemente o contexto do Salmo reporta a peregrinação do povo de Israel no deserto quando exposto à
escassez e perigos. Contudo, mesmo em tal condição, os homens teimaram em seguir seus próprios corações. Deus
era a opção quando todos os recursos humanos falhavam. Para alguns angustiados ali, isso significou a necessidade
maior de Deus do que daquilo que era passageiro (os redimidos, cf v.2). O cálculo pode ser simples ao crente:
constante necessidade é igual à constante dependência. Logo, nem só de pão o homem viverá. Hoje, deve haver
mais pessoas que morrem de angústia do que de fome, né (Dt 8.3; cf. Mt 4.4)?
A única perseverança do povo desse texto em orar se deu pela “angústia dirigida”3. Sem esta, o povo seria
capaz de desesperar-se até a morte. Mais, perseverança genuína houve em Deus. Mesmo sabendo-se “usado” pelos
homens ele sempre foi solícito, pronto para ajudar, como se esse povo fosse inexperiente em angústias e, pela
primeira vez, clamassem ao Senhor.
Oh, quão paciente é o Senhor! Responde bondosamente ao clamor choroso de um povo errante 40 anos
pelo deserto. Como uma criancinha que se alegra muito mais com o presente que o pai trouxe de viagem do que
com o próprio pai, assim era tal povo. Contudo, o pai continuou presenteando o chorão. Traz sempre o presente
1 Este Salmo deve ser lido como que em quatro cenário (dividido em quatro partes). Cada cenário perfaz a aflição da peregrinação do povo
de Deus, subdividindo a narrativa a cada momento de clamor, por necessidades da caminhada. Apenas pontuo nele a Pessoa Divina e seu
relacionamento bondoso com o seu povo. Este, frágil diante de cada aflição necessita do socorro divino.
2 Não há nenhum incentivo à permanência do crente a uma vida de pecados. Apenas esboça-se a fidelidade de Deus.
3 Deus muda o mal em bem, egoísmo em altruísmo… Fez da angústia momento de comunhão e sentido.apenas pela satisfação de ver o filho feliz. O pai, evidentemente, espera o amadurecer da criança, quando esta perceberá o que os presentes significam. Uma hora ela deixará o presente de lado e se agarrará ao pescoço bondoso pai.
A conclusão que Matheus Henry faz a este salmo é acertada: “Quem não tem sofrido de verdade possivelmente
não apreciem a Deus tanto como os que maturaram devido aos tempos difíceis. Os que viram obrar a Deus em momentos de angústia têm uma visão muito mais profunda de sua amorosa bondade. Se você experimentou grandes prova, conta com um grande potencial para lhe oferecer grandes louvores.”
Ao dizer quantas vezes esse povo clamou a Deus (ora sob incredulidade, ora em desobediência ou interesse), o
salmo só me incentiva a clamar também ao Senhor. Não me faço de rogado em imaginar-me melhor do que Israel. Clamar tantas vezes a Deus por motivos diversos só me faz rever os meus pedidos de oração. Também me ajuda a sondar-me o coração (Mt15.8,9). Fico a pensar se oraria com tamanho empenho se o motivo fosse apenas agradecer. Este povo agradecia a Deus no deserto? Deus o livrava, guiava, alimentava. Mas ouvia mais gritos do que louvores. Misteriosamente a angústia desse povo era instrumento nas mãos do Deus da alegria. Como Aleijadinho transformou o mármore do lixo em um anjo, assim Deus reverteu o pecado do povo em bênçãos. Daí, o que me conforta não é saber que a maioria das minhas angústias pode ter como razão a mão de Deus. O que mais me conforta é saber que, assim como o povo deste texto, sempre que eu O buscar, Ele me responderá. Sempre fará do barro um vaso (Jr 18.4).
Vou te contar um segredo. Provável devaneio teo-filosófico. Às vezes acho que é melhor ser um egoísta
recorrendo a Deus em meu desespero, a fim de obter o socorro, do que o soberbo que O rejeita. Soberbos não oram,
ainda que se ajoelhem. O coração dele é inflexível (Dn 4.1ss). Orar é sempre uma confissão de fraqueza. É saber que
Deus é maior do que eu. Quando se ora, confessa-se que Ele é a Pessoa que tem o eu humano em Suas Mãos e faz
do orante o que Lhe apraz (Lc.22.42). Isso significa que nem a mim mesmo sei cuidar.
Ora, soberbos não oram- fazem um monólogo, uma reflexão sobre as suas ações (Lc 18.9-17). O egoísta Deus
pode levá-lo ao fracasso e revelar-lhe que não se basta. Mas, o soberbo é rejeitado (Tg 4.6). Sei que você pode objetar
que todo o egoísta é um soberbo. O contrário pode bem ser verdade, mas o primeiro não se acha deus!
O egoísta, ao priorizar o próprio interesse, recorrerá a Deus quando nada mais o salvar. Por sua vez, o
soberbo é tomado por orgulho e superioridade. O seu eu gruda à qualquer imagem que assuste a ideia de que é
“superior”. Rapidamente desejará sobrepor a sua sombra sobre o outro Ser. Deus será para este sempre uma sombra
ameaçadora; nunca a presença amorosa e protetora contra si mesmo (Sl 37.13; 59.8).
Aprendi, mesmo tomado de vergonha no meu “descaramento”, a clamar ao Senhor tendo a acusação na
mente de o fazer só quando “o bicho pega”. Mas, quanto ao que parece uma orar interesseiro, respondo com a
história do naufrágio de Pedro. Eis a ideia: o homem que se afoga, por não ter fé para caminhar sobre as águas até
Jesus, não é o mesmo que grita cheio de fé para que Jesus o salve (Mt 14.30,31)? O grito de Pedro parece ser a mais
curta oração das Escrituras. Foi um grito de angústia para mim, mas para o Senhor… Por que não deu cada passo até
Jesus em oração?
Assim como Pedro, desconfio dos meus passos de fé neste “mundo líquido”, mas nunca duvido de que Jesus
prontamente me estenderá a mão. O caminho da fé, quando o homem se põe de joelhos, costuma ser muito
misterioso. Para o fraco crente, o pedido mais natural parece subir das profundezas como a oração mais sincera. Um
coração em angustia expulsa do eu qualquer atavio que dificulta a alma de caminhar em direção a Deus (Êx 33.4-6;
Is 3.18-26). A alma nua é capaz de gotejar humildade e fé (Sl 18.6; 120.1; 130.1; cf. Jn 2.2-9).
Não sei o que Deus pode fazer a um contumaz cristão que, ao menos, sabe que pode recorrer sempre a Ele
(ainda que o desejo do coração seja contrário à Sua Vontade). A mim, me parece que Ele sempre o guiará ao porto
seguro, ainda que em angústia ou dores (Sl 107.25-30).4
Eliandro Cordeiro
Maringá, 23, mar, 2024.
Um filho em angústia, descaradamente de joelhos