Eu quero viver!Um desejo difícil de morrer.

Naqueles dias, os homens buscarão a morte, e não a acharão; também terão ardente desejo de morrer, mas a morte
fugirá deles. (Ap 9.6)
Para viver, o homem é capaz até de morrer. Todo o seu desejo de morte é, na verdade, o desesperado desejo
por mais vida. A dor e o sofrimento de não a ter plenamente, como julga necessária, leva-o à ideia de plenitude que
se alcança para além da existência (até mesmo para um ateu!).
Em Apocalipse, os homens desejam a morte, mas esta lhes escapa. O desejo de se verem livres da dor
confunde-se com o próprio medo de morte. Paradoxalmente, aquilo que se procurou evitar por toda a vida, agora é
o mais desejado: morrer. Será mesmo deixar de viver? Na verdade, é uma tentativa de eliminar uma vida considerada
inferior à pretendida: livre de sofrimento, ininterrupta em plenitude.
Contudo, naquele dia, tudo o que os homens terão é mais vida e mais vida, revelando-lhes o estado de
mortos desde quando nasceram. A ambição por uma vida plena pode ser um sofrimento infinito. Este versículo é
uma imagem de angústia absoluta, onde nem o fim é consolo. Nele o desejo de morte não é fuga, mas clamor por
uma vida que faça sentido, que seja inteira.
Nos Evangelhos, só a vida é terna. A própria morte morrerá. E, se para muitos a morte da morte parece um
alívio, para outros, o fato de a morte morrer, significará uma vida incompleta eternamente. Não se insinua que isso
seja o inferno. Apenas não se ignora que o desejo desesperado pela vida e não a encontrar plena, sem fé, de
realização pós-morte será um inferno. Será como um buscar por ar, mas os pulmões não se abrirem receptivos a ele.
De outro modo: o vazio que se instala quando a vida perde seu propósito é o que muda a face da morte. A
‘velha do manto roto’ torna-se na Sereia dos marujos, mas, sem feitiço. A morte, que antes parecia libertação, tornase inalcançável — e isso é o tormento.
Ora, não estou negando a existência do inferno. A menos que Jesus não seja real (como a fé evangélica nos
revela), ou se lhe negue a divindade, Ele interpretou a Escritura corretamente. Falou várias vezes do inferno como
um lugar de tormento (Mt 5.22; 10.28; 25.41; Lc16.19-31).
O ponto aqui é a ideia de que se busca a morte com a noção intrínseca de desejar viver. Osborne explica
que, em Apocalipse 9.6, os homens, “na primeira metade do versículo, “buscarão” a morte, mas, na segunda, o
quadro é intensificado quando eles […] desejarão morrer. Esse verbo expressa “um desejo particularmente forte” que
leva uma pessoa querer alguma coisa […]. Os dois verbos juntos revelam uma exigência veemente pela morte e podem se referir à tentativa de suicídio” (Apocalipse, 2014, p.413). Entretanto, Deus lhes priva da morte. Aqui, são os
inimigos de Deus que preferem o suicídio à dor.
Mas, no versículo, o fato de a morte ser impedida de agir demonstra claramente o poder de Cristo. Ela perde
o seu ferrão. Que humilhação para a antiga inimiga dos homens: agora, os homens perdem-lhe o medo e a chama
de amiga- desejam por ela. Então, aquilo que Paulo já cantou, agora é exposto: a morte é derrotada (1Co 15.55). E,
pior: o desejo dos homens por morrerem e viver para sempre, agora, é uma vida eterna de morte (Dn12.2; 1Ts 1.9).
Osborne diz que isso é uma retaliação divina àqueles que mataram os santos (Ap. 6.9-11). Ao contrário dos
mártires, os que agora desejam morrer, não encontram a morte. Ela “vive fugindo” deles (é o que o termo grego
sugere!). Para o desespero do ímpio, o que Davi disse com cautela, ele diz com lamento: “[…] há um passo entre mim
e a morte” (1Sm 20.3).
Em caso de ideação suicida, é bom perguntar no setting-terapêutico: “Você quer se matar ou “só” deseja
morrer.” Ao que frequentemente o paciente pergunta: “Ué, mas há diferença?” Muitas vezes desejar morrer é
apenas uma tentativa de não vivenciar aquele momento sem esperança e de angústia intensa.
Como no romance Quando os Pássaros Voltarem, o protagonista Toni não deseja apenas morrer – ele deseja
escapar da vida que perdeu o sentido. Sua decisão de marcar a própria morte para dali a um ano revela que, mesmo
no desejo de fim, há uma busca por redenção, por algo que o convença a viver. É o mesmo dilema que muitos
enfrentam: não querer morrer, mas não saber como continuar vivendo (ARAMBURU, F. 2023).
Assim, planejar a própria morte, pode ser o desejo de nunca mais ter de morrer. E não é irônico que em
Apocalipse 9.6 a busca pelo suicídio seja o de morrer mesmo; para sempre?
E pior, o verbo ‘fugir’ no tempo usado por João é o presente dramático aqui. Ele significa que a morte ficará
fugindo dos homens continuamente. Ela não se cansará de fugir até que ela mesma morra no fogo (1Co 15.26; Ap
20.14; 21.4).
Conselhos para se viver enquanto a morte não foge:
1- Viva enquanto a morte, mesmo sem o ferrão, zumbe alto. E espere a morte. Pois, morrer em Cristo é melhor
do que desejar viver sem Ele e depois desejar morrer e não poder. Viver-se-á eternamente por causa Dele. Em
oposição a Freud (Além do Princípio do Prazer), parece que a pulsão de morte é, no fim, um só desejo: o de vida! A
ambiguidade é apenas a parte do homem que teima em viver sem Deus.
2- Creia: temos inclinação natural à vida e não a morte. Erramos ao acreditar na proposta do diabo no Éden.
Acreditamos que, realmente, Deus nos escondia a vida eterna (Gn 3.2-5), quando, na verdade, Ele nos impedia de
viver a morte eterna (Ef 2.1). Isso seria vivermos mortos.
3- Não idealize a vida com a mesma intensidade com que um suicida idealiza a “boa morte”. A vida tem
momentos bastantes difíceis, com angústia até quase à morte (Mt 26.38; 2Co 1.8). Mas, se nem sempre há redenção
aos instantes daqui, há ressurreição para a vida eterna. A morte nunca é boa e a vida nem sempre é má.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 17 de out. 2025
No fim, Só a vida é eterna.
