O cuidado de Jesus para com os seus.
“Tenho muito o que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora;” (Jo 16.12)
Oh, que amor e cuidado teve o nosso Senhor para com aqueles homens que foram chamados a segui-lo.
Prestes a retornar ao Pai, o Senhor fala aos discípulos da alegria do Espírito Santo. Alegria tal que o mundo
não a poderia apagar (Jo 14.17,18,26; 16.22).
Jesus seleciona muito bem as verdades a serem ditas àqueles homens. Eram crus ainda acerca da própria
natureza do Salvador. Nada sabiam sobre o que eles mesmos sofreriam por causa do nome de Jesus. O Senhor
escolhe as verdades a serem ditas, comparando-as com a estrutura daqueles homens – seleciona, dosa, espera. Ali
há diversas culturas, profissões, temperamentos… E Deus conhece cada um.
A verdade sempre deve ser dita, contudo, o Deus-Homem mostra como deve ser dita, quando e como ela
pode ser ouvida. Já matei muitas flores do meu jardim com excesso de cloreto de potássio ao desejar que
florescessem. Algumas não morreram, contudo, houve o efeito contrário: o excesso do fertilizante embotou-lhes o
hormônio de floração. Causei na plantinha o que se chama de fitotoxidez – toxidez provocada pelo excesso de
fertilizantes. O que eu esperava aconteceu opostamente: paralisação do crescimento e desequilíbrio nutricional.1
Jesus é o Mestre por excelência. E, como pedagogo, não força o crescimento de suas crianças. Ele espera o
fruto do seu trabalho e confia no poder do Espírito (Jo 16.13) como aquele que levará os discípulos à apreensão de
Seu trabalho. Jesus, bem diferente de mim, sabe que, assim como um jardineiro pode matar flores com excesso de
fertilizantes, o excesso de informação espiritual pode sufocar corações ainda imaturos.
A verdade não precisa de complementos externos para ‘pipocar’ no coração de quem ouve a voz do Espírito.
Assim como é misteriosa a forma como a sementinha rompe o invólucro e ainda, sem cansaço, rasga o solo, até que
se vê árvore, a Verdade brota no coração do discípulo. Ela brota segundo a capacidade de cada um (Mt 25.15).
Aprendendo com o Salvador:
1- Embora a verdade deva ser sempre dita, tem hora, dosagens e maneiras certas de ser aplicada. “Tenho ainda
muito o que vos dizer…” Jesus não despeja a Verdade sobre aqueles homens. Ele os conhece. Aquele que é a própria
sabedoria (Mt 12.42; 1Co 1.24,30; Cl 2.3), que conhece o nome de cada estrela (Sl 147.4; Is 40.26) e quem fez os
furinhos nos átomos (Cl 1.16,17), sabe transmitir conhecimento. Jesus tem muito para dizer. Contudo, não despeja
conteúdos, mas sementes no coração dos discípulos. Sementes que terão a dormência quebrada pela voz do Espírito.
Ora, certamente, aquele que estava com Deus desde o início, tem muito o que dizer aos seus discípulos. “…muito…”
significa que há um vasto conteúdo – não é uma única revelação – mas um tesouro de verdades. Mas, João usa um
advérbio importante – ‘éti’ (ainda). Este verbo indica que há uma progressão pedagógica e que, por amor e cuidado,
Jesus não falará aos discípulos, pois, ainda não estavam prontos. O uso do verbo “échō” (tenho) no presente mostra
que Jesus continua guardando essas verdades, à espera do momento certo para entregá-las por meio do ministério
do Espírito. O mesmo verbo revela que o Senhor é profundamente cônscio do papel pedagógico que exerce.
2- O ensino evade a mente: “Não podeis suportar…”. O Senhor está preocupado com o quê? Ele está
preocupado com a estrutura do discípulo (Is 42.3; Mt 12.20). Ele não fala a Verdade destituída do Amor. Amor e
Verdade são praticamente indistinguíveis. Ensinar é um ato de amor. Mas, em Jesus, a Verdade ama e o Amor Revela.
A verdade não é apenas uma ampliação de conhecimento. O Senhor revela que a Verdade é mais profusa quando o
amor ilumina o caminho. O conteúdo é tão importante quanto o coração que o recebe, não é? (1Co3.1,2) A palavra
‘suportar’ (bastázein) é usada em outros textos com o sentido de carregar cruz, peso, sofrimento — aqui, Jesus
reconhece que a Verdade pode ser pesada demais para quem ainda não está pronto (Mt 20.22,23). No momento,
há uma incapacidade transitória naqueles homens – os discípulos madurecerão. O conhecimento adquirido não pode
ter o peso de uma cruz, até que estejamos prontos para nela morrermos.
3- A Verdade é soberana: “… suportar ainda.” Nada arranca a sua voz do coração de quem lhe encontra. Lembra
o quanto Pedro sofreu quando tentou abandoná-la? E se João soubesse já sobre a Ilha de Patmos? O que Paulo
passou quando a encontrou na rua Direita? A verdade de Jesus não tem a mínima chance de falhar. Jesus garante
aos discípulos que, para tudo o que ainda precisa ser revelado, o Seu Espírito os guiará em ‘toda’ a Verdade. Ou seja:
a Verdade não é superada pelo tempo. Jesus administra-nos sempre a medida certa, conforme a nossa capacidade
(Sl 103.14). Ao dizer “Ainda” pressupõe-se que o Senhor tem a certeza de que os discípulos crescerão, ampliarão a
capacidade de conhecer e suportar a Sua Verdade.
1 Confesso que, silenciosamente, enquanto meditava nas palavras do Senhor, a Didática Magna, obra de Comênius, mexia suas folhinhas em meus ouvidos. Amplamente reconhecido como o pai da pedagogia moderna, João Amós Comenius, viveu no período pós-Reforma Protestante, sendo profundamente influenciado por seus ideais. Comenius usava a imagem da árvore para representar o crescimento do conhecimento humano. Nesta obra, ele propôs que a educação deveria ser natural, progressiva e orgânica, como o desenvolvimento de uma árvore. Raízes: a infância e os fundamentos da educação. Tronco: o desenvolvimento intelectual e moral. Ramos e frutos: a sabedoria, virtude e piedade que florescem com o tempo.
4- O desejo do Senhor em ensinar não é movido por cobiça de glória pessoal. Ele não quer exibir o que sabe
sobre o mundo, o futuro, nem o quanto domina todas as coisas. Ele olha para as dimensões do universo com o
mesmo carinho e ‘admiração’ com que olha as dimensões do coração do discípulo.
5- O Amor disciplina, enquanto a Verdade espera. A Verdade disciplina, enquanto o amor fortalece o
disciplinando. Jesus respeita o tempo de cada alma. Pedro, por exemplo, aprendeu bem mais tarde o que é a
humildade (1Pe 5.5-7). Todos eles entenderam só depois o que significaram as palavras e gestos do Salvador (Jo.
13.7). Logo, exceto Jesus, o amor controla a Verdade, na mesma medida em que a Verdade encoraja o Amor.
É bom lembrar que o amor sem a Verdade ilude, enquanto a Verdade sem o Amor, é peso e ferida. O apóstolo
Paulo nos dá a dosagem certa quando diz: “Seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo…” (Ef.4.15).
Assim, a gente não corre o risco de colocar ‘cloreto de potássio’ demais em nossas flores.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 22 de set. 2025.
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