O Pai-Casa Uma Teologia dos Afetos

Devocional em Lucas 15. 1,2, 11ss
O pai não é uma casa – A casa mora no Pai.
Difícil convencer-me que a parábola contada pelo Senhor fosse “apenas” a história de pecadores que se
arrependem e voltam à casa do Pai (Deus). Em nada diminuo o sentido real da parábola. Pelo contrário – quem conta
a parábola é Deus. Já imaginou o que é Deus organizar imagens, pessoas, história, tempo em sua mente? Então,
sempre leio a parábola envolto de todas as leis criadas por Deus: quer Pentateuco, físicas, morais e afetivas.
Honestamente, o arrependimento sempre traz consigo um universo invisível existente na alma do homem e da de
Deus.
É como na cena de A Viagem do Peregrino da Alvorada, quando Lucy, Edmundo e Eustáquio são puxados
para dentro de uma pintura de um navio. O quadro, antes estático, rompe a parede da realidade e revela um mundo
inteiro escondido atrás da moldura. A conversão é isso — não apenas voltar à casa, mas ser tragado pelo universo
invisível que mora no Pai. A casa é o cenário; o Pai, o destino. Interessante como o quadro sempre foi só um quadro
na parede para o filho mais velho!
Longe, o filho não fala voltar para a casa do pai. O rapaz fala “voltar para o meu pai.” A volta para o Pai é
mais importante do que a volta para casa. Voltar para a casa é difícil, o caminho é longo. Enquanto, voltar para o pai
é só se voltar para si.
A casa é o cenário, o Pai é o destino do andejo. No fundo, o filho não busca um lugar, mas a Pessoa. E é assim
desde o Éden. A gente não quer retornar ao Paraíso- a gente quer o Paraíso perfeito oculto no peito de Cristo. Por
contraste, na parábola, o filho mais velho poderia estar mais distante do peito da Pessoa Paterna do que o moleque
que foi embora em busca da Vida que julgou nunca ter vivido. Ambos, vazios, sedentos, à beira da fonte. Contudo,
um descobre a sede, enquanto outro, derrama a água na terra seca e se queixa da fonte.
Imaginei, sem forçar o texto, cinco considerações do filho longe da casa.
1- O quintal de casa é maior do que o mundo todo. Observe como o garoto longe de casa descreve como tudo
funciona na cozinha, no quintal… Há uma lembrança saudosa que sugere fome, do corpo. Contudo, a fome mais
gritante é daquilo que fazia a cozinha funcionar, os bichos engordarem no pasto. A gente às vezes deseja pular o
muro do quintal de casa, não? É bem baixinho.
Doutro lado, A gente deseja o que Smith, remanescendo Agostinho diz: “Todo filho que procura um pai ausente
e distante está na estrada para encobrir um desejo mais profundo – que tal pai venha procurá-lo, que a flecha da
fome seja revertida e o pai volte. Porque assim saberíamos que ele está pensando em nós, procurando-nos, amando nos. O que fazer com essa fome de pai além de desejar profundamente ser visto e conhecido por aquele que nos criou?” (2020. p. 224) Ninguém precisa ter um pai ausente para saber que a nossa alma transcende-o. Agostinho
ultrapassa a ausência de seu pai, Patrício, em busca de Deus.
2- Um abraço na cozinha da casa soma mais do que todos os abraçoS do mundo. Não torno Camus em um
teólogo (Ele odiaria isso!), mas uma aplicação pessoal de ‘O Estrangeiro’ descreve o que para mim é a experiência
do menino longe do Pai: “Eu conseguia ouvir através da vastidão das salas e tribunais um vendedor de sorvete
tocando sua trombeta de lata na rua. Fui tomado por lembranças de uma vida que não era mais minha, mas que
tinha as alegrias mais simples e duradouras: os cheiros do verão, a parte da cidade que eu amava, certo céu noturno,
os vestidos de Marie e a maneira que ela ria. A inutilidade completa do que eu estava fazendo tomou conta da minha
garganta e tudo o que eu queria era acabar com aquilo, voltar para a minha cela e dormir.” (1979. p. 100)
Leio-o como se a alma do menino estivesse longe, apertado na cela do mundo se lembrando do abraço largo e
apertado do maravilhoso mundo do Pai.
Você pode me chamar de “mundano”, mas confesso que cantarolou na minha mente Jota Quest: “
“O melhor lugar do mundo
É dentro de um abraço
Pro mais velho ou pro mais novo…”
3- O pão da graça é melhor do que o pão de graça (bolotas). O pão da graça é dado com amor, não apenas
distribuído como sobra. Como dito anteriormente acerca da fome do rapaz, o pão da cozinha paterna atiça mais a
fome quando é associado à bondade do pai – essa camaradagem com os empregados. Aliás, Jesus diz que tal bondade
naquela casa era recíproca. Leia com atenção o que o servo diz ao filho mais velho, quando revoltado não entra para
a festa. O que este escravo fala do seu senhor (v.27)? Olha a paciência ao falar com o filho revoltado e como se refere
ao fujão! Imagino que naquela casa, até os servos dancem Amazing Grace.
4- A música dos céus se ouve até no fim do mundo (o filho mais velho ouve do lado de fora e o mais novo sabia
a letra lá longe, no chiqueiro.
Ora, o que quero dizer é que A festa do Pai é audível até no chiqueiro — a graça alcança. Nietzsche disse que
só aceitaria um Deus que soubesse dançar. Deus não só dança – Ele canta também (cf. Dt 32; Mt 26.30). Embora,
seja provável que ele tenha lido este texto centenas de vezes (era filólogo e teólogo!), a música que ele ouviu lá de
onde estava não lhe interessou.
5- As palavras silenciadas são melhores do que o silêncio sufocado (o menino longe, “ninguém lhe dava nada”)
o mais velho nunca quis falar ou pedir nada, embora o pai sempre o ouviria. O Pai escuta até o que nunca foi dito.
Volte para o pai, não, simplesmente, para a casa do pai. A sua casa não lhe dá nada – o pai dá tudo! O filho mais velho
tinha o quê da casa? E se pedisse ao pai? O filho mais novo pede tudo da casa e parte para longe. Quando volta, quer
ao pai. E a casa? O pai deu!
1
A riqueza com que o Senhor usa cada palavrinha empobrece todo o nosso orgulho. O pai “Correu” (v.20):
“Isto é para um oriental idoso totalmente incomum e abaixo de sua dignidade, mesmo quando tem muita pressa” (J.
JEREMIAS). E, quanto às palavras eloquentes que o filho planejou falar ao velho, “O pai não deixa terminar e expressar esta conclusão e transforma as palavras que ficaram sem se pronunciar no seu contrário – não como um mercenário, mas como um hospede de honra é que ele trata o filho que retornou”, conclui o comentador (2007.p, 131).
Chamo atenção aos pronomes na casa do pai: meu, teu, designantes de posse, falam do pertencimento
eterno, não de prisão perpétua, como o garoto mais novo houvera interpretado no quintal de casa. Não se tratava
de prisão, mas posse de amor, conquista no coração. Pais e filhos não tem prazo de validade. Tanto que o rapaz
atribui ao pai características percebidas da relação paterna para com pessoas (escravos) e não do uso dessas como
se objetos.
Não se pode ler este texto e ter em mente o mesmo que os escribas tiveram ao ouvi-la da boca do Nosso
Senhor. A Alegria do Pai choca, mas não é ingênua. A alegria não é ignorante nem louca. A alegria ama loucamente.
A alegria, mais do que ter o melhor banquete, tem a melhor música: ‘Amazing Grace’. Só volte.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 03 de nov. 2025
“Na minha casa todo mundo é bamba,
Todo mundo xxxx, todo mundo samba…”
Casa de Bamba – Martinho da Vila, Jair Rodrigues
