O pão e o Hoje.
“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” 1(Mt.6.11a)
O pão e o hoje são igualmente relevantes na oração de nosso Senhor (Para não se dizer a mesma coisa.)
Aprende- se com Ele que não se pode deixar de comer o pão de hoje, tampouco deixar de viver o hoje por
causa do pão de amanhã (Mt. 6.31). O pão de cada dia é dado hoje. Dia e hoje fundem-se num futuro imediato.
2É provável que o Senhor Jesus, ao ensinar os discípulos a orarem, tenha em mente a história do povo de
Israel no deserto. Observe o modo fiel com o qual Deus sustentou essa gente, apesar da incredulidade dela.
Conforme o livro de Êxodo 16.1-36, o pão era uma dádiva de Deus ao povo em cada amanhecer. Guardar para o dia
seguinte era o mesmo que perder o pão. Uma prova de confiança em Deus era o buscar a cada manhã e não pegar
o dobro. Mas, a medida certa para cada família. Não importava a quantidade, desde que fosse a necessidade de cada
um da casa. Ora, você sabe quantos pãezinhos come no café da manhã, não?
A oração do Senhor descreve a relação atenta do céu para com a terra, a Sua permanente atenção
providente. Pois, Deus não é como um pai ausente que aparece em casa uma vez por mês com uma compra e depois
vai embora. Não retorna somente no mês seguinte com outra cesta básica. Ele é o pai presente, cuja vivência significa
mais do que o pão. Há um pão todos os dias na mesa do café da manhã. O chefe de família é tão necessário quanto
o pão das crianças nessa casa. É mais gostoso para os meninos comerem o pão quando o pai está assentado à mesa,
né (Sl 127;128)? Qualquer pão com margarina é gostoso com o cheiro da loção pós-barba do pai!
Há momentos difíceis na vida que nos fazem olhar mais para o pão do que para o hoje. Comemos o pão, mas
perdemos o dia. Trabalhamos tanto pelo pão que nem nos lembramos mais do calendário, de aniversários, família,
amigos. Reclamamos que o ano passou tão rápido!
Noutros momentos, não vivemos o dia por medo de perder o pão. Engolimos o pão de hoje e nos
esquecemos que ele virá amanhã. Celebramos tanto o hoje que o pão parece exigir ser todo devorado agora. A
incredulidade se mantém. Ela devora o dia como se não nos seria dado outro amanhã. E o pão mofa na dispensa.
Nos desculpamos com ‘Carpe Diem’, como se devorar o dia sem o pão fosse-nos um substituto à altura (Sl 127.2).
Na oração modelo, Jesus pede o pão hoje, para cada dia; isto é: dia-a-dia. Pão e dia estão juntos. Quem dá o
pão é o Mesmo que dá o dia. A nossa luta é por um dia com o pão. Mas, já pensou a futilidade em se ter o pão, mas
perder o dia? Daí a gente até diz: “Hoje comi o pão que o diabo amassou…” (Triste!).
Qual a razão de nossas ansiedades, senão a insegurança de que esse Pai nos Céus não nos ponha à mesa o
pão pela manhã? Também é fato que, podemos desprezar o pão de hoje num descontentamento tremendo. Tal
descontentamento pode nos levar a aguardamos pelo dia seguinte, o qual nunca nos satisfará.
Logo, o pão evade aquilo que nos sustenta o físico, não? Se há ansiedade e descontentamento, não estaria
o pão apontando para aquilo que é eterno (Dt 8.3; Mt 4.4)? Cada dia não estaria trabalhando a minha incredulidade?
Não existe estoque de fé. Ela é provada a cada visita, dia após dia, à dispensa da oração (Mt 7.9-11). Assim, coma o
pão de hoje e não perderá o dia.
Para Jesus, não existe o pão de amanhã. O pão é sempre presente- hoje. Aquele que encontrou o pão em
sua mesa hoje deve pensar como os crentes de Êxodo 16: “Se hoje Ele me deu o pão, seguramente, amanhã (que
será o Hoje) o pão estará lá. Só preciso ir buscá-lo.”
Ler a oração de Jesus é perceber que o céu está bem pertinho da terra. Aliás, Deus grudou céu e terra na
Pessoa de Jesus. Nele, o Pai celestial estende a mão e põe o pão na mesa da minha cozinha (cf. Mt.6.9,11; Is.57.15).
O pão que me é dado na mesa é uma pálida lembrança do Pão que me é dado na cruz (Lc 22.19; Jo 6.51;1Co 11.27).
Se Ele deu o Filho do seu amor por amor a mim, me negará o pão (Rm 8.32)? Aquele que se negou a comer o pão
para que eu me nutrisse de Si (Mt 21.18-21; Jo19.28), me privaria de algumas coisas deste mundo por vingança (Pv
3.12; Lc 4.3; 2Co 8.9)?
Eu que não sei discernir um pão de uma pedra, a diferença de um peixe para uma serpente (Mt 7.9-11)? Se Ele rega o jardim do vizinho, porquê deixaria as minhas flores morrerem sedentas (Mt 5.45)?
Ah… quão difícil é viver essa oração que todos os cristãos a tem de cor! Decoramos-na sem percebermos o caminho percorrido pelo Senhor Jesus. A oração ensinada pelo Senhor começa com Deus- Pai, e termina Nele. Jesus
não fala “eu preciso”.
Ele diz “nós”, “nossos” e “Tu” (Deus-Pai). Onde há o “EU”? Que oração difícil para um faminto
de pão repetir! O estômago dói e eu oro pelo irmão e desejo a glória de Deus? E “Eu”? E as minhas necessidades?
Só me incluo ao citar “nós e nosso”? Evidente que orar pensando em primeira pessoa não é pecado. Mas, em todos
os casos, “diga-me o que tu oras que te direi quem tu és” pode ser um bom meio avaliativo.
Feche os olhos e ladrilhe à frente o teu caminho com cada palavra do Pai-Nosso. Perceba o percurso que o
Senhor fez nesta oração. O caminho nesta vida se fará longo, mas o céu perto (ao ponto de o tocar!). É como se Jesus
abrisse as janelas da Casa de Sua vida íntima com Deus-Pai e dissesse: “Venham dar uma olhadinha em como as
1 Evidentemente que o pão é uma metáfora utilizada pelo Nosso Senhor a fim de sintetizar a basicalidade de todas as necessidades reais na vida dos homens.
2 Conforme o dr Martin Lloyd-Jones, “O pão nosso de cada dia” é melhor entendido se lido como: “Dá-nos neste dia aquilo que nos é necessário”.
coisas funcionam aqui em casa! Olhem a mesa! Vejam onde o meu Pai se assenta e como nos olha. Veja como divide
o pão sem se esquecer do menorzinho, lá na cadeirinha, todo preso para não cair dela!”
Através da janela observei que na cozinha de Jesus ninguém diz: “Passa-me o pão”, pois este já se encontra
à sua frente. Porém, as pessoas ali parecem mais interessadas em conversar com o Pai do que em comer o pão.
Parece que o Pai mata a fome dos filhos com “Palavras” (Dt 8.3; Lc 4.4). E o dia passa todo num café da manhã. Todo
devorado pela fome de Deus.
Ora, talvez esteja aqui o segredo da nossa confiança no pão diário e no dia de amanhã. Deus é a Pessoa
principal na oração onde o pedido por pão nos fala tanto à alma. Na oração do Senhor, o pão é menos importante
do que Aquele que O dá. A glória de Deus é para Jesus mais importante do que o pão.
Deus é o centro da oração quando a necessidade do pão é gritante. Jesus ora pelo pão porque este nos lembra que há Alguém mais importante do que este? Parece que sim. Parece uma exegese do ocorrido no deserto (Êx. 16.1ss) e aplicada pelo diabo numa hermenêutica empírica míope: “transforme esta pedra em pão” (Lc 4.3).
Na verdade, Jesus faz de Deus o seu pão (Enquanto outros fazem do pão o seu deus) E, quando não oramos
assim, possivelmente fazemos, implicitamente, esta oração: “Pão nosso que estás nos céus… O pai (Deus) nosso de
cada dia dai-nos hoje…” Em uma oração onde Deus não é o centro, o resto você já imagina.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 27 de mai, 2025
Senhor, que o dia nosso de cada pão, nos seja dado hoje