Onde Deus está? Uma geografia teontológica

Devocional no Salmo 113.
Gostaria de te conduzir na leitura deste salmo como um devocional.
Dividamos o texto em pelo menos três partes, e como numa procura ao Tesouro das Nações, pensemos na
natureza misteriosa do nosso Deus.1
Onde Deus está? Para encontrá-lo, melhor será saber primeiro quem Ele É. Por isso, a união da geografia com
a teontologia. Teontologia é simplesmente o estudo do Ser de Deus; é a busca por compreender Quem Deus é em Sua
essência, Sua natureza e Seus atributos (como Ele é eterno, santo, etc.). Quando se sabe Quem Deus É, também se sabe onde Ele está. Abraão Kuyper foi preciso ao afirmar que “Não há um único centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: ‘É meu!’.”
Leiamos o texto dirigido pela verdade de que não há um só lugar onde Deus não possa estar. Com os olhos
admirados como de crianças, encontremos três pontos de sua natureza submetidos à geografia de nossa mente
limitada. Quem nunca se perguntou: “Onde Deus está?”
O salmista responde:
1. Deus lá em cima (2-5):
De modo sucinto, pense nos versículos destacados: (v.2): A eternidade de Deus; O louvor perpétuo é
determinado pela natureza perpétua de quem é adorado. (v.3): Imensidão/onipresença de Deus; Desde onde o sol
acorda até onde ele dorme, o seu caminhar e todo o seu espaço é existente pela presença de Deus. Ou seja, onde existe Deus, há adoração. Penso no horror do inferno onde, por contraste, a cada blasfêmia, a santidade de Deus se revela contra o pecador. Portanto, até mesmo ali, Deus é glorificado (Sl 76.10, cf: Mc 3.11,12; Lc 4.34; 8.29; Fp 2.9-11).
Ah… aquele grilinho em algum lugar na floresta amazônica… Que pulmões estouram em louvor a Deus! (v.4):
“Excelso” e “glória”, aqui está a plenitude ontológica de Deus; “Quem é semelhante ao Senhor?” é uma pergunta
retórica; isto é, não espera por respostas. Deus não tem Igual nem se Se Olhasse no espelho! É isso que significa ser
singular.
O salmista procura por uma outra pessoa, no mínimo, semelhante a Deus e descobre que encontra sempre a
unidimensionalidade do Senhor (v.5). Igual ao Senhor, apenas O seu Filho eterno encarnado (Jo 10.30; 14.9-23).
Ora, que poder pode existir em alguém que controla um hipopótamo, mas desconhece o segredo das formigas?
Aquele que fecha a boca do hipopótamo, também conhece “o som de frequência” daquelas anteninhas no solo fúngico
da floresta. Essa imagem deve ser levada para o próximo ponto.
2. Deus lá fora (6-8): A imanência ativa e compassiva.
O Deus lá de cima não é indiferente, tampouco, a Sua natureza o torna apático. Ele é comprometido com a
criação, portanto, Pessoal (relacional);
A descrição do salmista é bastante imagética: “se inclina para ver” (v6). Evidentemente que é uma metáfora,
por nos faltar a linguagem para representar Deus. Mas, nesta metáfora encontra-se a providência e cuidado de Deus.
Duvido se você, respeitosamente, ao ler que Deus se inclina, não pensou em um Ser enorme, Todo-poderoso,
ficando de joelhos no piso dos céus e olhando aqui para baixo. Imagem quase cômica, não?
Porém, não é isso que Deus nos fez em Cristo, quando da encarnação (Fp 2.7), num prenúncio do que faz para
se relacionar com os homens? Não é o que o salmista encontrou e nos convidou a olharmos com ele através da janela?
Ele chamou: “vinde e contemplai […]. Ele faz…” (Sl 46.8-10).
Abra a janela da alma e veja Deus lá fora conduzindo a história. O escritor do salmo diz que lá dos altos céus
Ele olha para baixo e ergue o pobre e o necessitado (v.7). O que quer dizer, senão que está na direção? A história não
segue cega, ao acaso. A obra criada tem propósito. “Ergue do lixo o pobre”.
Ora, enquanto muitos de nós enxergamos o lixo ou o pobre, ou até mesmo confundimos os dois, o Senhor
distingue-os e ergue o pobre.
Que maravilha toda a descrição que o salmista faz de Deus lá fora. Lá longe, “do nascimento do sol até o ocaso”
(v3), Deus está. Ele desperta o sol e, depois de ele brincar o dia todo, o coloca na cama – quando é a vez da lua.
Onde está Deus? Luz e escuridão, início e fim. Onde ou quando pode ser Ele adorado? Sempre!
Se você acha que Deus é grande porque faz das estrelas o brilho de um vagalume, o verá maior ainda quando
senti-lo em cada poro de sua alma. É para onde o salmo nos conduz agora, colocando Deus muito perto da gente.
3. Deus aqui dentro (9):
A impressão que eu tenho quando chego ao versículo 9, é que o salmista agora está fechando a janela e nos diz:
“Viram? Deus é transcendente e imanente. Ele está lá e aqui a um só tempo (At.17.28-30). Ele é separado de tudo e
nada existe se separado Dele.
O salmista caminha da imagem geral à particular. A grandeza de Deus invade a nossa intimidade.” Observe a
proximidade que o Salmista sente da Pessoa de Deus. Ele diz que Deus não só sabe quem é a mulher estéril, como
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Louvor: << https://www.youtube.com/watch?v=NQlGKPdFKGo&list=RDNQlGKPdFKGo&start_radio=1 >>
também, conhece a sua emoção e sentimento. E dá a cada um a devida importância. Coisas tão pequenas revelam a
existência da criatura aos olhos de Deus (vivência).
Não há nada nem ninguém que seja sem valor: O homem não é lixo (7); a mulher não é objeto (9a). A mulher
estéril é considerada dentro de sua vivência, sua história. Deus olha para dentro de um quarto e visita a intimidade do casal. O milagre que a estéril precisa não é apenas biológico, é emocional. Não só terá um filho, mas será “alegre mãe de filhos.” Deus se preocupa com a alegria de uma mulher (O Salmo lembra o cântico de Ana – 1Sm.1.5,7-8).
O Deus lá de cima está assentado com o desvalido e Se alegrando na alegria de uma grávida. E não é isto que nos
convida a louvá-lo? Ele é Todo-poderoso, Único, e mesmo assim se importa com os homens (v.1-3).
Podemos encontrar nesse texto, pelo menos, três momentos do culto a Deus: O culto da vida (toda a criação
como revelação de Deus), o culto ontológico (contemplando a Natureza/Pessoa de Deus) e o culto relacional (vendo
Deus agir em e através do outro: existência, família e sociedade). Ao fechar a “janela” e dizer que Deus está “aqui
dentro”, descobre-se que a Onipresença não é apenas um fato geográfico frio, mas uma presença pessoal, intencional
e até mesmo terapêutica.
Para muitos, Deus está tão longe que não parece se importar com eles. Para outros, Deus está tão perto que
mal se distingue dos homens, portanto, não esperam D’ele ajuda alguma.
Porém, nas Escrituras, Deus está longe, a fim de que não o confundamos com coisas ou homens. Ele está tão
perto pelo mesmo motivo. Assim é esse paradoxo chamado de Transcendência e Imanência que o torna singular- perto e longe ao mesmo tempo. Ele é Grande; não pode ser comparado a nada. Ele está perto, tão perto (com todo o seu tamanho) que não pode ser tirado de nada (Sl 139)!
É o que Agostinho descobriu em sua experiência, quando buscou a Deus nas criaturas externas, mas lamentou
a Sua proximidade incompreendida: “E assim, por meio de todas estas coisas mutáveis, cheguei ao meu Deus, que é o
Imutável. E onde estava Ele? Estava acima de mim, mas eu estava abaixo de mim.” (Confissões, X, 7).
O meu coração também, com janelas fechadas para toda a majestade divina, foi surpreendido um dia quando
alguém acendeu a luz lá dentro, onde só havia escuridão. Não fui eu. Eu nem sabia onde estava o interruptor!
Por onde Ele entrou? Como Ele coube, sendo tão grande? Perto de tantos ‘enfeites feios’ pendurados nas
paredes cardíacas da alma, mesmo assim (embora se incomodasse com todos eles) quis morar ali. Logo Ele quem o
mundo inteiro não o pode conter (2Cro 6.18).
O título que Kindner dá a este Salmo faz todo o sentido agora: “Nada é grande demais para Ele, ninguém
pequeno demais.”
Senhor, Tu estás totalmente em todos os lugares, de modo que, o lugar não existiria se o Senhor lá não estivesse.
Algumas vezes, eu Te vejo lá, mas longe de aqui. Noutras, estás aqui, e eu precisava de Ti lá.
Senhor Jesus, Tu que nos disseste que estaria conosco para sempre, até o fim dos tempos (Mt 28.20),
Faze-nos ver-te sempre. Ver mais do que os dois no caminho de Emaús (Lc 24.13-35): na estrada, na casa, nas
Escrituras, na história, em Jerusalém, nos discípulos, mas nunca no túmulo.
Em teu nome, oramos.
Amém.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 17 de nov. de 2025.
Assim como é impossível que eu não seja onde eu estou,
É impossível que eu esteja onde Deus não É –
(‘esse est percipi’) Referência em George Berkeley
