Vai para casa.
“Então, Natã foi para a sua casa” (2Sm.12.15).
Essa frase, aparentemente simples, encerra uma das cenas mais densas da narrativa bíblica sobre o pecado
de Davi. Mas é também um espelho da alma obediente. Tentei dar a Natã aquilo que ele não pareceu ter se
importado: destaque. A grandeza deste homem não estava em, simplesmente, falar a verdade ao rei, mas em
retornar para casa, discreto, quieto, invisível.
Já pensou o JN – Jerusalém Notícias: “Profeta Natan traz consigo um furo de notícias e expõe um poderoso
membro do governo…” Que nada! Natan volta para casa e, talvez, foi terminar de lavar a louça que a mulher pediu
(Por que não?)!
Pode-se obedecer a Deus por vários motivos. Jonas obedeceu pela segunda vez, talvez, por medo de parar
em lugar mais apertado que o estômago do grande peixe (Jn 3.1-3). Jesus mesmo contou a história de um homem
que tinha dois filhos. O homem pede-lhes ajuda na roça. Um disse “vou”, mas não vai. Outro disse “não vou” e foi
(Mt 21.28-30). O líder dos sacerdotes obedeceu a Deus ao ordenar a crucificação do Senhor sem saber (Jo 11.49-
51; At2. 23). Até a mula de Balaão!
Todavia, depois de ouvir de Deus sobre o pecado do grande rei e se dirigir até a sua casa a fim de o exortar,
Natã não se demora, mas volta para casa. É assim que termina a segunda cena que enfeixa o pecado de Davi. A
obediência não espera reconhecimento nem prêmios. Ela dispensa adornos ou a assinatura do profeta. Por isso
caminha ao lado da humildade. Esta passagem bíblica pode inferir que a obediência, quando feita com simplicidade
e fidelidade, transforma qualquer ação em algo extraordinário — mesmo que pareça pequena ou discreta aos olhos
humanos.
Pense o profeta psicodramaticamente ilustrando uma história a fim de livrar o rei de seu torpor espiritual.
Davi está cego para a própria justiça mas não para exercê-la contra os outros.
Natan é, sem dúvida, peça importantíssima nessa história. Contudo, a sua aparição – e logo o
desaparecimento – é o que revela a sua grandeza. Ele não remenda a história, não maltrata o rei e, tampouco,
constrói alguma outra narrativa a fim de consolar o homem. O profeta comunica o que Deus lhe pediu que falasse
ao rei, ele o faz e se vai. “Natã foi para a sua casa.” Não se prolonga em conversas encostado ao trono do rei. Não
conta ao homem a sua vida espiritual e como ouve Deus falar-lhe. Apenas fala o que deve falar e volta para casa.
Não há opinião pessoal
A obediência torna qualquer ação extraordinária. A ação não é extraordinária por causa do obediente; mas
por causa de Deus. Não procura glória, nome ou espera lembranças. Confiado em simplesmente fazer o que Deus
ordenou, Natã é simples em sua parábola, direto depois em sua aplicação. Depois apresenta ao rei pontualmente
o que Deus oferece. Feito isso, volta para a sua casa.
Precisaria estender-me mais aqui acerca do que isso fala? Um grande pecado e um grande pecador era Davi.
Mas o profeta é apenas o mensageiro apesar do que fez por Davi.
Ora, o que toda essa maravilhosa cena do escândalo do rei me impressiona é que o que evidencia o tamanho
do rei é um súdito? Apenas obedeça e deixe o resto com Deus. “E foi para a sua casa”: será que Natã aprendeu a
fazer apenas o que Deus ordena e se calar (1Cr 17.2ss)?
Como seria a história de Davi – essa história que consola tantos corações culpados, que revela o poder do
amor de Deus em perdoar – se Natã tivesse emendado algumas coisinhas a mais na parábola da ovelhinha? Talvez
amaríamos mais o rei e i profeta do que confiaríamos na imensa graça do Deus Poderoso. E não importa o quão
terrível seja o pecado – o tamanho do instrumento só revela ainda mais o poder da graça.
O homem fala e volta para a sua casa. Mas quanto a Deus? Este fica com Davi. São os dois agora, entendeu?
Natan tem que voltar. E isso não significa que ele seja insignificante. É apenas como Deus age.
Ora, que poder há em duas madeiras cruzadas, pesando aproximadamente 70 quilos, fincadas numa
montanha esquecida, fora dos muros de Jerusalém?
“E Natã voltou para a sua casa…”. Depois de falar com o rei. Tratou a missão como “pequena” diante do
tamanho amor gracioso de Deus. Acho que foi tudo o que Natã desejou de grande naquele dia.
O comportamento do profeta me lembrou o filósofo sul-coreano, Byung-Chul Han. Han escreveu em seu
livro “A Sociedade da Transparência”, que vivemos numa era em que tudo precisa ser transparente, visível,
compartilhado. A privacidade virou suspeita. O invisível é tratado como irrelevante. O indivíduo se tornou um
“empreendedor de si mesmo”, sempre tentando se destacar, se vender, se provar. Essa a exposição excessiva é
vista como uma forma de violência simbólica. Tudo precisa ser mostrado, comentado, validado.
Talvez, tudo o que você também precise fazer hoje é simplesmente voltar para a sua casa. Num mundo que
cobra performance, visibilidade e resultados, que exige “grandes feitos” e aplausos, a atitude de Natan é
contracultural, quase litúrgica e ‘anti-histeria-social’ (no sentido psicológico).
Só voltar como qualquer homem, lavar a louça, pode ser revolucionário. Isso também significa ser usado
para a glória de Deus.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 20, ago. 2025.
Saiu e voltou
Ninguém o viu
Tadinho…
Só foi visto
Por Deus