
Carne, cebola, melão, pepino…
“[…] Ah, se tivéssemos carne para comer! Nós nos lembramos dos peixes que comíamos de graça no Egito, e também dos pepinos, das
melancias, dos alhos porós, das cebolas e dos alhos. Mas agora perdemos o apetite; nunca vemos nada, a não ser este maná!” (Nm
11.4-6).
Quando não se aceita a situação presente (Ec .14a) e se teme o futuro, o passado pode parecer o ambiente
mais seguro para se viver. Porém, nenhum lugar é seguro quando o desejo insatisfeito é maior do que a fé na
promessa de Deus.1
Nem sempre o passado é um lugar seguro para onde podemosretornar. Se o futuro nos causa medo porque
nos é desconhecido, de onde nos vem a segurança de que conhecemos o passado? O passado pode ser tão inseguro
quanto o futuro não por causa de traumas, dores, pecados ou erros que temos vergonha só de lembrar. O perigo
do passado se deve à pseudo-segurança, bem como, a alienação do presente. Ou a gente se embriaga de presente,
se envenena de passado ou se mata de overdose de futuro (ansiedade). O tempo nunca foi um gatinho fofinho; é
um vício poderoso, capaz de nos matar de várias formas. Ele pode nos matar lentamente (Sl 137.1); e o futuro com
picardia (Pv 13.12).
O fracasso de Israel se deveu à sua incredulidade (Hb 3.12,15). Os espias exploram a terra de Canaã, mas
se acham pequenos demais para a nova vida ali. São como gafanhotos diante dos gigantes que ali moravam (Nm
13.1-25). Querem voltar.
O povo temeu o futuro, mas não o passado. Não temeu voltar ao Egito e submeter-se novamente à
crueldade de Faraó (Êx. 2.23ss; 5.6-8). Apesar do desafio, o que experimentou no presente, ao caminhar pelo
deserto, era a nuvem que os protegia do calor, o Maná que brotava, a água que escorria da rocha (Êx. 13.21; 17.1ss).
Tudo esquecido pela nostalgia de uma história pintada de cores alegres sobre uma realidade cinza de angústia e
escravidão: “tínhamos peixe de graça” (Nm 11.5).
Não é curioso que o povo não se queixa a falta de alimento, mas porque não há variedade na alimentação
(v4-6; cf: Dt 8.2,3)? Não muito diferentes do povo no deserto, muitas vezes murmuramos não porque nos falta o
pão e a água, mas o brioche, o croissant ou o queijo de búfala pigmeia do Himalaia. O maná nos enjoa. E não nos
interessa o milagre de ele brotar todos os dias de um bolso vazio, das mãos de um patrão sovina, da enxada ou
outros lugares improváveis.2
É necessário cuidado com as memórias do passado. A nostalgia de uma alma desejosa de irrealidade é capaz
de esquecer a dor sofrida e ignorar as bênçãos do presente só porque descorda Daquele que lhe pede obediência.
Os gostos carregados pela língua ingrata causa insônia e aborta sonhos reais (Nm 10.29; 11.5,18,20; cf: Sl 106.15).
A gente tende a fantasiar o passado3 a fim de fugir de um presente indesejável ou do futuro que nos parece
duvidoso, vazio.
O povo comia repolhos, mas no deserto arrotava caviar (Nm 14.4ss). É bem verdade que, um “povinho”
pegava carona com os hebreus na fuga do Egito. Nenhuma informação temos sobre este povo. Exceto que incita o
povo de Deus a considerar melões, pepinos, carne de panela, peixe, como um pagamento à altura da perda da
liberdade (Nm 2; 11.4, cf. Êx.12.38). Não havia comida grátis, como alegavam.
4
Ah… Como o passado é belo quando o futuro exige-nos passos de fé Naquele cujo o futuro é um eterno já!
O filho pródigo fantasiou o futuro sem o pai. Depois, retorna ao lar carregando consigo a realidade do passado. Na
verdade, diferente do povo hebreu no deserto, o pão que comia na casa do pai era real e livre. Mas, não é fácil
levar o presente para o passado como aquele garoto fez (Lc 15.16-18). Muito menos colocar o (certo) futuro de
desgraça no presente a fim de se livrar de um futuro o qual deveria temer (Lc.15.20a).
Ora, não fantasie o passado (Ec 7.10). Você não precisa reviver as dores que ficaram lá, mas também não
pode, por causa da incredulidade, desconfiar do Deus que te prometeu o futuro (Is 43.19-21). Pois, a alma que se
encontra insatisfeita com o seu hoje5
(e aqui exige-se discernimento para com os tipos de insatisfações), e desconfia
do seu amanhã, assim como o povo hebreu, trocará facilmente a sua liberdade por anéis de cebola frita em
qualquer Starbucks da esquina.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 22 fev, 2025.
Sê sábia no presente, fiel no futuro, e sóbria no passado, ó, minha alma!
1 Sugiro ao leitor a leitura dos capítulos 11-14 de Números. Isso poderá te ajudar a entender melhor esta devocional.
2 Todo o Antigo Testamento deve ser interpretado à luz do Novo Testamento. Assim, tanto esta passagem, quanto Êx. 16, apontam para o
Senhor Jesus Cristo. Ele disse que é o pão da Vida, o Maná que veio do céu (Jo.6.32-35,51,63,64). Prelúdio de uma rejeição à Sua Pessoa?
3 O cérebro pode criar acontecimentos e alterar lembranças. Veja mais em: << https://super.abril.com.br/especiais/7-misterios-do-cerebroe-as-respostas-da-ciencia-para-eles >>.
4 Desejar o passado pode ser perigoso.
5 Não se esqueça que o pão nos é dado a CADA dia e HOJE (Mt.6.11), assim como era o pão em Êx.16.