À procura do que nunca perdi
“No dia da minha angústia procuro o Senhor […]. Lembro-me de Deus e passo a gemer […].” (Sl 77.2,3)
“Não me procurarias se não me tivesse já encontrado”, escreveu Santo Agostinho em Confissões. Trata-se
de uma inquietude permanente, categorial, uma procura por ‘Aquilo’ que satisfaz plenamente o homem. É a busca
por ‘Algo’ que ainda não se tem mediante o fato de já se ter tudo aquilo que não iguala o homem à nada mais senão
a si mesmo. O homem acha-se sozinho, sem referência, então, procura. O coração grita por ‘Aquilo’ que é maior do
que a obviedade da solidão. Esta procura é evidência, segundo Agostinho, do que já se encontrou, a Verdade, ou
melhor, Deus.
Parece que o medo, as lutas e intempéries desta vida só fazem aumentar o desespero pelo encontro com
‘Aquilo’ que nos dá segurança maior do que o fim do medo. A fé emerge sobre o medo e o vazio da alma (Sl 42.1ss).
Emoções e sentimentos confusos não são pesos suficientes para afogar a fé que ora sob o dor da angústia, convicta
que a realidade do abandono é mentirosa (Hb 13.5).
“Buscar” (procurar) é uma expressão comum no Antigo Testamento. Significa buscar com cuidado a fim de
encontrar conhecimento ou percepção de um problema particular. Seja como for, a ideia é que ao procurar socorro,
o salmista não o encontra nos consoladores humanos (v.2). Tenho para mim, que a angústia está para além de uma
noção de socorro temporal. Principalmente como o caso do salmista: a falta de socorro em situações passageiras
apenas leva a alma ao limítrofe do suportável- desespero.
Então, a alma leva o homem a confiar em suas teorias ou a confiar que a sensação de solidão é a presença
da ausência de Deus. Assim, a natureza divina é tão suficiente que, a sua ausência denota a presença ignorada.
Noutros termos: é impossível que Deus não esteja presente em algum lugar, se o lugar existe por causa Dele. E não
é mera filosofia da linguagem; falo da presença de Um Ser que, mesmo que ignorado deve ser mencionado só pelo
fato de deixar vazio o lugar da ideia. Pois, ao dizer no coração “não há Deus”, per se, já o tem por existente (Sl 53.1).
O crente sabe que buscar a Deus é um paradoxo, que apenas a alma que crê consegue vivenciar com lógica.
Busca-se Aquele que nunca se perdeu, exatamente pela ausência Daquele que, devido a minha natureza, perceboO longe. A angústia provocada pela cessação de segurança não é apenas um estado … é da natureza humana. Viver
é angústia. Ela brota de uma sensação profunda de desamparo ou ausência de um significado. Kierkegaard propõe a
fé; Camus o absurdo, Sartre o Nada…
Mas, o que a tua alma grita? Kierkegaard pressupõe que a fé não elimina a angústia, antes, a usa para lançar
o homem em direção de Deus. O crente que ora já percebeu o quanto isso é uma verdade: “[…] pode parecer
estranho que a mente dos verdadeiros crentes seja perturbada com a lembrança de Deus. A intenção do escritor
inspirado, porém, é simplesmente esta: embora apresentasse a Deus a angústia de sua mente, ela não era removida.
Sem dúvida, amiúde sucede que a lembrança de Deus em tempo de adversidade agrava ainda mais a angústia e
perturbação dos justos […]” (CALVINO,2013).
Logo, se é fé a resposta à angústia que nos leva à busca (oriunda de cessação da satisfação da alma para com
a segurança nas coisas contingenciais), a Razão desconfia de qualquer resposta menor do que Deus. Não é o
postulado de onde parte Anselmo? Ele ora: “Ó Senhor, reconheço, e rendo-te graças por ter criado em mim esta
tua imagem a fim de que, ao recordar-me de ti, eu pense em ti e te ame”. A alma do orante segue angustiante o
rastro vazio da presença de Deus. Apalpa os buracos da alma e pensa: “Ele esteve aqui!” Enquanto Deus diz: “Eu
estou aqui e você oculto em mim (Cl. 3.3)!”
Assim, a busca infere que a imagem de Deus é prensada no homem e, portanto, quem O busca não se frustra.
A memória O tem presente, pois, “Não me procurarias se não me tivesse já encontrado”. E isso tudo para dizer que,
a busca pelo socorro de Deus significa que Ele está longe. Porém, se O buscamos por estar longe, a alma já não tem
por positivo busca-Lo? O filho pródigo (Lc. 15.11ss), longe de casa, vazio de si se perde, mas não perde o Pai no
coração.
Ora, o que pode desesperar o ímpio por procurá-Lo e não O encontrar em lugar algum, é exatamente o que
leva o crente a alcançá-Lo com vozes súplices e coração quebrantado. Bono Vox cantou acertadamente esta busca
paradoxal em “I Still Haven’t Found What I’m Looking For”. Uma oração cheia de angústia pode inferir um anseio
apaixonado por Aquele que já foi experimentado. Daí, já não se sabe se a angústia se deve ao vazio das coisas ou à
santa frustração de não O ter plenamente.
Sabe-se que angústia desta vida não nos grita o seu fracasso próprio, uma vez que nos guia por um vazio
cheio da presença de Deus? Não nos deixa uma sensação como houve em Maria? Ela chora o túmulo vazio repleto
da Vida do Senhor (Jo 20.15). Da mesma forma, angústia que nos leva a orar e a memória que nos faz gemer pode
significar mais do que a ausência de Deus. Pode significar precisamente que Ele nos encontrou. Pois, é assim que as
Escrituras nos falam: “fui achado pelos que não me buscavam” (Is. 65.1)?
Ora, “Não me procurarias se não me tivesse já encontrado”. E que certeza maravilhosa!
Eliandro Cordeiro
Maringá, 17, jun., 2025.
“Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti” (Confissões X).