
Desacelere!
Olhem os lírios!
Onde?
No campo.
Mas, estão longe, Senhor! Não os posso ver.
Os lírios não te veem, não se importam com você. Tampouco, sabem de suas próprias existências. Para quem
se embelezam?1 Por que crescem? E, talvez, nem você os vê e, igualmente, nem se importe com eles.
“Olhem como eles crescem.” Eles crescem!”
Os lírios não saem do lugar, mas crescem (Mt 6.27).
Há um tipo de crescimento onde não se corre contra o tempo. Um tipo que acontece de dentro para fora.
Não acontece porque o lírio ergue as suas raízes e corre em busca de uma terra melhor. É a ele trazido o alimento.
Há um tipo de crescimento que só pode ser contemplado quando se para, quando o excesso de autoconfiança é
infértil. Há um crescimento estético existente no lírio não para causar inveja ou autoestima, mas como consequência
da sua nutrição radicular (Mt 6. 32-34). O lírio vai crescendo de dentro para fora e estoura em profusão de beleza. O
lírio não pergunta impaciente “quando será a primavera?”. Ele murcha e depois rebrota.
Almas frenéticas não podem ver a beleza dessa florzinha. Exige-se nobreza para se desviar do caminho,
mudar a agenda, ajoelhar-se para contar-lhe as pétalas e cheirar-lhe a flor. Ela está lá fora, no campo, abaixo dos
olhos majestosos de Salomão. Até parece que o vento soprou a semente por acaso aconchegando-a ao solo.
As mulheres ansiosas se lançam ao campo, mas não para a contemplar. Estão atrasadas para preparar o
marmita do marido. Precisam correr para ajuntar-lhes os galhinhos secos e os jogar ao fogo (Lc 12.28). O elogio
conjugal só se recebe depois de tudo à mesa (Assim crê a mulher). Pena! O lírio é mais do que combustível ao fogo.
E a espera feminina pelo elogio do homem é prova disso! Ela vê a beleza que queima, mas não a que faz o lírio
crescer. Não percebe que, quando a beleza do lírio fenece, ainda continua a alimentar a vida. Saberia que o prazer
gastronômico também é estético? O lírio o propiciou aos homens. E, assim como quando estava vestido inconsciente
no campo, agora morto (seco), tornou o homem feliz à mesa com a mulher sábia (Pv14.1; 31.10ss). A flor viveu para
isso e nem sabia!
“Olhem como eles não trabalham e nem tecem”, procura Jesus conduzir os corações ansiosos para o campo
a fim de perceberem a pequena flor que só Deus parece achar linda!
Ora, há um modo certo de se olhar para fora de si mesmo. Há um modo mais sábio de viver e interpretar a
vida que nem Salomão o pode viver. Salomão não teve a glória dessa florzinha. Ela estava vestida de si mesma
(Autêntica). Salomão se despiu da sabedoria divina e se vestiu de vento, vazio e vaidade (Ec. 1.2ss; 2.11,21; cf: Ct.
3.9,10. “O rei está nu!”, grita o lírio no campo e a ave do céu (Mt 6.26). Salomão sente vergonha.
Não é uma comparação entre o homem e a flor. É a contemplação do contentamento. O lírio não quer ser o
homem e Salomão não deseja ser o lírio. Não é um chamado para sermos lírios; é um chamado para sermos nós
mesmos. Somos chamados à fé no Deus que veste o lírio e a Salomão. No palácio, vestido de linho, lã, coroa dourada
e perfumes egípcios, Salomão se esforça inutilmente para ultrapassar a beleza e a flagrância dessa florzinha (2Cr.
9.3-7). Enquanto o lírio é só o lírio.
O homem mais sábio do mundo não vê o que o nosso Senhor viu? Salomão viu o trabalho da formiga (Pv
6.6), mas não o crescimento do lírio? Ao que parece, é necessário mais do que sabedoria para se evitar a ansiedade;
é necessário fé (Mt 6.32,33)! É da natureza do lírio esperarser vestido. Deveria ser da natureza do homem contentarse em ser quem se é (1Co. 15.10).
“Olhai os lírios” é mais do que correr os olhos como alguém que da janela do carro veloz contempla as árvores
que parecem correr Em sentido oposto. Essas florezinhas não são vistas em alta velocidade. Da mesma forma, um
coração ansioso só podem compreender o que Jesus via nessas flores quando desacelera o ego e se entrega o futuro
a Ele (Mt 6.34). Só míope para as falsas necessidades e desnudo do falso auto-conhecimento é que se vê o lírio.
Porque, “olhai”, segundo Jesus, é ‘considerai’; ‘ponham nisso a sua atenção’. Será necessário abrir a janela da alma
por dentro para ver o que Jesus via.
2 Não está dentro de nós o alívio do medo, mas lá fora, para onde Cristo nos
direciona (Mt 5.45). O lírio não é visto através das frestas da janela. O lírio está no campo sob observação amorosa
de Jesus.
1 KIERKEGAARD, S. Discursos edificantes em vários espíritos. Liber Ars, 2018.
2 Poderíamos ouvir Jesus dizer: “Você está preocupado em abraçar os gravetos do lírio e os lançar ao fogo. Não pensou um só segundo que
esses gravetinhos já foram flores cheirosas e coloridas. Veja para o que servem agora! É só isso que é a vida para você?
O propósito de ir ao campo ver o lírio que cresce, não é o de comparação, explicou Kierkegaard (filósofo
dinamarquês), mas é o olhar “como crescem”. Os lírios crescem e nem eles e nem nós o sabemos. Tal crescimento
não faz parte do esforço da plantinha. Está contente em ser flor do mato. E o ser-humano? O que o satisfaz (Mt
6.26c)?
Jesus não nos incita a invejarmos o lírio; mas a compreendermos o cuidado de Deus. Sem comparação, mas
constatação: “O lírio cresceu aqui sozinho; agarrado ao chão. Quem lhe deu água para beber? Como se vestiu?”
É preciso desviar-se do caminho, pegar a estradinha de chão batido, treinar os olhos da alma à confiança em
Cristo (Lc 22.35), abaixar-se, procurar pelo matinho que Jesus repousou os olhos da providência. Se o encontrar,
admirar-lhe a cor e o cheiro. Não se pinte com a cor do lírio, tampouco, se banhe com o seu perfume. Não é invejaé contentamento. Deixe-o ali no campo onde é feliz. Não o replante na floreira da tua casa. Ele tem dono!
Desacelere. Vai ao campo. Quem sabe você ainda vê o Jardineiro envernizando cada uma das pétalas do lírio,
ou pelo menos, encontre a tinta fresca com o cheiro do perfume dessa coisinha.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 02 fev. 2025.
Senhor, que eu seja eu, assim como o lírio.