A Alegria de Jesus.
“Como podem os convidados do noivo ficar de luto […].” (Mt 9.15)
Não sei o porquê, mas esta passagem bíblica me faz pensar em um Jesus que é pura alegria
(cf. Mc 2.15ss). Todos assentados à mesa na casa de Mateus e os escribas se incomodam com o
tipo de gente que Jesus anda. Comer e jejuar para o Senhor nada tem a ver com isolamento de
gente (Mt 6.17,18). Jesus não está à mesa repartindo só o pão, mas dando de si mesmo àqueles
que não sabem comer os momentos de prazer com a alegria da fé, senão, com uma fé rígida ou
santidade meritocrática (Is 12.3,4). É nisso que vejo alegria onde parece não haver no texto.
Qualquer alegria torna-se santa quando a santidade esboça um sorriso!
Às vezes pensamos que, pelo fato de Jesus saber desde o início da sua dolorosa morte na
cruz, a sua vida foi de uma rígida face sem sorrisos ou de constante “castigo” no corpo. Porém,
repare bem no teor da conversa de Jesus com os discípulos de João. São estes e os fariseus que
parecem não saber o significado de alegria! Ah! Jesus se alegrou com a alegria dos discípulos e,
neste caso, desconsidera o jejum face a alegria do momento (a Sua presença).
É verdade que os Evangelhos relatam bastante momentos em que o Senhor demonstrou-se
chorar, irar… Mas, se lidos com atenção, veremos no Filho de Deus ações de alguém bem feliz. E
quem disse que “O Homem de Dores” (Is. 42.1-4; 49.1-6; 50;4-9; 52.13-53.12) não pode ser
também o “Homem de Alegrias” (Lc 10.21; Jo 11.14,15; 15.11)?
Destoante da definição da Filosofia, nas Escrituras, não é a Felicidade o conceito infinito de
prazer; mas a alegria (Jo 16.22,23). É a alegria quem sustenta a Felicidade, sendo esta focal e
rompível. Logo, quando a Felicidade é interrompida, a alegria a amarra de novo e a vida segue.
Longe de reduzir a seriedade da alegria de Nosso Senhor, vemo-la nas coisas da vida que se
mescla ao deleite de cumprir a vontade do Pai Celestial. Há algumas parábolas em que Jesus ao
narrá-lasinfunde em seus ouvintes/leitores todo cenário de alegria. Na parábola do Filho Pródigo,
por exemplo, Jesus afirmou que a alegria é uma necessidade. “Era necessário que nos
alegrássemos”, disse o Pai ao filho revoltado de casa (Lc 15.32). Em Lucas 15, Jesus põe alegria
em tudo e todos!
É certo que nunca compreenderemos uma Alegria como a do nosso Senhor. Ninguém exceto
Este Deus-Homem foi plenamente feliz, mesmo sob todo o peso do mundo- o peso da ira de Deus
(Is 63.3). Porém, Ele compartilha aos tristes “um pouco infinito” de sua Alegria. E cada gota dela
que em nós respinga deveria nos afogar de prazer, a considerar até as pocinhas de chuva
(lembranças da infância). Pois, nada nos oferece Ele que não tenha em abundância (Jo 15.11).
Mesmo a cruz, cuja Antiga História nos lembra o sofrimento de Deus, é de repente tingida de um
vermelho alvissareiro: o sangue é o prenúncio da Alegria Eterna (Jo 16.30).
Falamos muito de uma alegria que há só em Cristo, mas nunca da Alegria que É só de Cristo.
Só Ele é Alegre eternamente. Aliás, poeticamente, podemos considerar que é Ele mesmo quem
criou essa tal alegria que bate incansavelmente no peito dos homens e os fazem buscar por todas
as direções, menos na Fonte. E, mesmo assim, ela não para de bater do lado de dentro. Mas, os
homens só abrem a porta para fora.1
Retome a leitura deste texto e veja o Senhor alegre. Jesus parece alegre à mesa com amigos.
Ele vê a amizade (discipulado) como uma comunhão que santifica todo sorriso corado de
vergonha. Mas, a fé dos escribas não sabe rir. Ela é carrancuda não para expulsar os demônios,
mas os homens. Não devemos nos esquecer que Jesus frequentava festas. Portanto, parece ter
bom humor (Jo.2.1-2). O diabo, porém, parecia estar mais para pôr fim nas festinhas (Lc 12.30)
Um dos indícios mais claros do caráter de qualquer pessoa é a natureza dos seus prazeres.
O que esta pessoa considera ser um verdadeiro prazer? Jesus apreciava amizades, a natureza, a
vida social, a saúde (curava), amava a leitura (lia a Torá). Observe os prazeres do nosso Senhor! A
pergunta a se fazer é: onde procuro eu os meus prazeres? Seria estranho que um Deus que
prometa tanta alegria fosse triste.
1 AGOSTINHO, S. Confissões, X, 27-29.
Segundo, Jesus lembra, em resposta aos escribas, a cruz que o espera. Contudo, não deixa
isso atrapalhar o banquete. Esses homens parecem seminaristas quando descobrem Teologia
Sistemática! “Não é hora nem lugar! Aqui, junto comigo, o jejum é de tristeza; é isso que a gente
desta mesa não vai comer!” Então, o paradoxo da vida do Senhor é revelado: a “alegre tristeza”
de Jesus é a realização de seu serviço.
Não há ninguém que vive tão alegre como Jesus na realização e sentido de vida. Este é o Seu
trabalho. Esta é a Sua comida (Jo 4.34). Como Jesus vê a sua morte? Estar à roda de amigos é
comparada a uma festa de casamento. Ao olhar, um pouco distante, o que a sua dor oferecerá
aos amigos, faz com que a alegria do Senhor permaneça mesmo à mesa (Jo 16.20-22; Hb 12.2).
Ah! Quanta paz Ele tem ao acenar para a morte de longe! Que coragem Ele tem de olhar nos
olhos da morte e a queimar de medo (Jo 17.1; Ap 19.12). Com que paciência Ele atravessará a
cruz até chegar à Alegria! Daí, a pergunta a se fazer é: como vejo eu o meu propósito aqui neste
mundo e o caráter das minhas experiências de dores? Na vida do Senhor, até a tímida tristeza se
torna extrovertida (Jó 41.22).
Se Deus é o Ser mais feliz (alegria), e se a Alegria consiste em Perfeição (quando nenhuma
ausência de Bem ou incompletude de Auto-conhecimento são possíveis), então, Cristo é o SER
mais alegre dentre os homens (Sl 16.11; Is 62.2; Sf 3.17). Faltaria em nosso Senhor, perfeito DeusHomem, algum fruto do Espírito (Gl 6.22; Hb 1.9)? Além disso, Jesus valorizava a Sua alegria (Hb
12.2). Como ser triste se a fé nos torna tudo claro desenhando o propósito da existência?
Ora, Nele nada falta e nada sobra. Jesus fala que a Sua Alegria seria posta nos crentes (Jo
15.10-11). Uma pessoa não pode ser tão bondosa se não for, também, tão alegre. Deve ser por
isso que um dos conceitos mais simples da Teontologia é que “a bondade de Deus é a
comunicação de Sua felicidade.”
Como poderia Aquele que multiplicou vinho em uma festa de casamento ou ressuscitou um
amigo; pegou uma criança no colo ou falou tudo o quanto viu ao lado de Deus, não esboçar um
sorriso? Portanto, ninguém que seja bom deveria ser triste.
Não entendo o porquê muitos cristão associam a ideia de Cristianismo com a tristeza ou como
se as tribulações e provas fossem o símbolo da nossa fé. Se, de fato, acreditam que o mundo todo
foi criado para a glória de Cristo, qual a chance de um crente esperar que a sua dor seja eterna?
(Ap 21.4). Mas, infelizmente, para alguns é como se, ao abraçarmos os espinhos de Cristo, não
recebêssemos neles também o conforto do Senhor (2 Co 12.9; Gl 6.17)!
Se de fato acreditamos que o mundo todo foi criado para a glória de Cristo (Rm 11.36), qual
a chance de um crente esperar que a dor seja eterna (Ap 21.4)? Então, isso não significa que
precisamos levar a alegria mais a sério. Mesmo porquê, alegrar-se é um mandamento e não uma
escolha (Fp 3.1).
Essa visão errada que muitos têm do Senhor Jesus sempre muito triste me lembrou do texto
de Drumond. Acredito que nos sirva de lembrete de que, imitar ao Senhor não é tornar-nos o
Nosso senhor. Só Ele é plenamente alegre, mas, nem por isso eu resisto as gotinhas de Sua Alegria
que caem sobre mim e me fazem sorrir até das minhas tristezas.
Necessidade de alegria
O ator que fazia o papel de Cristo no espetáculo de Nova Jerusalém ficou tão compenetrado da
magnitude da tarefa que, de ano para ano, mais exigia de si mesmo, tanto na representação como na vida
rotineira.
Não que pretendesse copiar o modelo divino, mas sentia necessidade de aperfeiçoasse
moralmente, jamais se permitindo a prática de ações menos nobres. E exagerou em contenção e silêncio.
Sua vida tornou-se complicada, pois os amigos de bar o estranhavam, os colegas de trabalho no
escritório da Empetur (Empresa Pernambucana de Turismo) passaram a olhá-lo com espanto, e em casa a
mulher reclamava do seu alheamento.
No sexto ano de encenação do drama sacro, estava irreconhecível. Emagrecera, tinha expressão
sombria no olhar, e repetia maquinalmente às palavras tradicionais. Seu desempenho deixou a desejar.
Foi advertido pela Empetur e pela crítica: devia ser durante o ano um homem alegre, descontraído,
para tornar-se perfeito intérprete da Paixão na hora certa. Além do mais, até a chegada a Jerusalém, Jesus
era jovial e costumava ir a festas.
Ele não atendeu às ponderações, acabou destituído do papel, abandonou a família, e dizem que se
alimenta de gafanhotos no agreste (p.56).
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Eliandro Cordeiro
Maringá, 01 de setembro, 2024.