A melhor definição do céu: “Deus está aqui”.
“[…] e o nome da cidade desde aquele dia será: O Senhor Está Ali (Jehowá-Shamma)” (Ez. 48.35).
Da janela do meu escritório eu olhava o céu que já se cobria como um lençol azul claro
se esconde sob uma linda colcha azul escura num ‘degrade’ de tons. Eu o atravessei assim como
atravessei a janela com a minha pueril admiração. Pensei no Céu o qual azul algum seria capaz
de descrever tamanha beleza (nem a Aurora Boreal!).
Ora, o que poderia ser mais lindo do que os nossos desejos mais profundos? Invadi a
minha mente em busca de algo que me fizesse definir o que era o céu tão desejado por mim. O
profeta Ezequiel gritou lá do fundo da minha memória: “O Senhor está ali.” Então, corri para a
leitura bíblica, depois aos estudiosos, cujo o dom de sabedoria deve ser respeitado.
Sobre o texto onde se encontra o versículo, B. Waltke resumiu muito bem a relação do
povo de Israel com Deus; um estado calamitoso: “Para atingir o coração da falsa confiança de
Israel em sua eleição, Ezequiel descreve Jerusalém- que para ele é uma sinédoque da naçãocomo um bebê abandonado que Deus salvou da morte certa (cap. 16). Mais tarde o Eu Sou
casou-se com a nação, adornou sua noiva e fez dela sua rainha. No entanto, sua esposa
aproveitou-se da fama para mergulhar na promiscuidade lasciva dos cultos pagãos de
fertilidade” 1
(p 939).
Por fim, o povo de Deus (33.21) sofre fome, mortes, miséria. Mas Deus o restaurará. Ele
lhe será o Único Pastor (36.16-38; 37.24). Relata-se épocas futuras, então, quando Deus restaura
o Templo e se muda em definitivo para viver com o seu povo (40.1-; 48). Evidentemente, é
impossível ler os últimos capítulos de Ezequiel e não se lembrar do Apocalipse de João. A
passagem inteira do profeta nos leva a comparar Apocalipse 21. Em Apocalipse, as ruas do céu
são de ouro para mostrar onde ficam as maiores riqueza dessa terra: chão. As ruas não são de
ouro para valorizar o ouro, mas para mostrar o maior tesouro dos redimidos. Até a glória do sol
cora de vergonha quando o Filho de Deus aparece. Dia e noite caducam- Deus concede luz à
cidade.
Logo, tanto no profeta quanto em Apocalipse, o melhor sentido de céu é saber que Deus
está ali. Evidentemente que Ezequiel não quis dizer que o nome da cidade seria literalmente
esse. Contudo, o nome expressa melhor a realidade do que significa viver em pleno Shalom com
Deus (Is 60.18).
Por mais estranho que possa parecer, tanto no contexto do profeta Ezequiel quanto em
Apocalipse, o desejo primário não é a Cidade Gloriosa, mas o Seu Rei. O crente não quer o céu
e mais alguma coisa; ele quer a Deus e tem como consequência o que O acompanha, isto é, o
céu. Assim como o fim do livro de Ezequiel, os últimos capítulos do livro do Apocalipse é
centrado no Grande Rei.
O final grandioso do livro do profeta servirá depois para as profecias dos Últimos Dias,
conforme João. Vinte e cinco anos de exílio, Ezequiel profetiza que o Senhor havia se retirado
do meio do seu povo, do seu templo, devido os seus pecados (48 capítulos!). Contudo, Deus
promete reajuntar o povo em uma Nova Aliança, quando Deus estará para sempre com ele.
Ezequiel vê a promessa se cumprir numa visão junto às águas da Babilônia. Mas, no livro do
Apocalipse, João vê o cumprimento da promessa feita pelo profeta Ezequiel cumprida na vinda
do Senhor Jesus. Ele é o Emanuel, o Deus Conosco: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens.
Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus (Ap. 21.2,3). A presença de Deus com o seu
povo e a glória do céu será o cumprimento de tudo isso! Aqui se vê claramente a centralidade
da vida eterna de todos os santos: Deus é o centro. No fim de todas as coisas só restará Deus,
cuja presença humilha os mais poderosos seres existentes- quer homens ou anjos! É a Sua Glória
que mais fascinará os crentes. Não haverá a necessidade de um templo, pois a cidade já o será.
Conforme Bauckham, antes de Apocalipse 21 a presença Divina se limita “aquele que se
senta no trono”, ao céu, onde está o trono. Porém, quando a Nova Jerusalém descer dos céus,
1 WALTKE, B. Teologia do Antigo Testamento: uma abordagem exegética, canônica e temática. SP: Vida Nova, 2015.
Ele habitará para “sempre” com os santos. Ezequiel já adiantou ao povo que Naquele Aia, a Arca
da Aliança se tornaria obsoleta, esquecida (Ez.3.16).2
Obviamente que a Arca assume um papel desnecessário mesmo antes do Novo
Testamento. Sobretudo neste, torna-se uma pálida metáfora quando o véu se rasgou (Mt 27.51).
Agora é a Nova Jerusalém eternamente o Santo dos Santos, cuja presença imediata de Deus se
manifestará devido o Sacrifício do Sumo Sacerdote eterno como o Cordeiro Perfeito de Deus.
As alegorias joaninas acerca da Presença de Deus são maravilhosas. A majestade de
Deus torna os tesouros humanos escórias. O ouro se torna pedras de calçamentos no céu. O seu
único valor é o de ser pisado e ‘impedir que os pés dos santos se sujem!” O Deus- Todo-Presente
faz com que todas as fontes de delícias efêmeras (por mais que demorem a se acabar)
denunciam de onde brotaram, a fonte de onde vieram: a relação de amor entre a Trindade.
Estranho até dizer que lá o Salmo 30.5 não fará sentido. Se aqui temos a esperança de
que Deus faz o sol brilhar e secar as nossas lágrimas; lá, o sol será tão desnecessário quanto eranos evitar a noite!
“Enxugar as lágrimas” é a linguagem mais rara para descrever o Amor. Aliás, Amor é uma palavra
pouco usada em Apocalipse. Ela fica toda descrita na imagem de uma Mão enorme e vazada. Os
seus poderosos dedos, criadores do universo, estarão todos dedicados a secar as lágrimas que
um dia rolaram na face dos seus bem-aventurados (Mt 5.4-11).
Para tal (as lágrimas enxugadas) nada mais lógico e certo: “Eles verão a sua face” (Ap.
22.4). O que a Lei propiciou-nos ver pelas Costas e, não poucas as vezes, achamos que foi o que
Ele nos deu quando pecamos, agora veremos por toda a eternidade (Êx. 33.20-23).
Quando aqui neste mundo, o Vimos através dos olhos da Lei, de Moisés. Vimo-O ocultos,
protegidos, na fenda da Rocha (Cristo). Por isso, sobrevivemos em nossa relação com o Deus
Onipotente! Mas no céu veremos Quem Ele é (1 Co13.12; 1Jo3.2). Como é a semântica do
judaísmo, e emprestada para a mente grega: Ver a Face é ver a pessoa; o equivalente a saber
quem é Ele.
Ora, a melhor definição de céu é “O Senhor está aqui” (Sl 46). Ele me olhou nos olhos e
vi todo o seu amor quando me enxugou as lágrimas. No céu, verei o Seu Rosto por todos os
lugares, com milhares de santos e anjos, mas com a certeza de que Ele só olha para mim. Isso é
céu.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 13, out, 2024.
2 BAUCKHAM, R. A Teologia do Livro de Apocalipse. RJ: Thomas Nelson Brasil, 2022.