Pensar e praticar: um guia para a saúde mental cristã.
“Finalmente, irmãos, apliquem a sua inteligência a tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, a tudo o que é
puro, amável, honroso, a tudo o que é virtuoso ou digno de louvor. Ponham em prática tudo o que vocês
aprenderam e receberam de mim, o que vira me observaram de mim. Então o Deus de paz estará com
vocês.” (Fp 4.8,9)
Na fé evangélica não é a prática ou a teoria, tampouco, a junção dessas duas,
que evidenciam um homem como um cristão. A lista de adjetivos deixada pelo apóstolo
Paulo, qualifica o objetivo do cristão. Contudo, tais adjetivos não são restritos
tipicamente à vida cristã.1O diferencial está no cerne de sua vivência. Pois, para o crente,
a vivência desses adjetivos deve ser natural como a completa ignorância de que exista
uma fissão entre o que se aprende do que se vive.
Para os irmãos de Filipos, praticar o que prenderam, receberam, ouviram e
observaram, do apóstolo, está longe de ser uma possível experiência dicotomizada. Tal
qual para o Nosso Senhor, ouvir e aprender é já, uma instância de consequente vivência
prática. Para Jesus, o que impede da casa que o homem construiu na rocha cair, não é o
fato de ter sido construída na pedra. A ideia é que, ouvir a praticar o que de Jesus se
ouviu, é o alicerce, a rocha sobre a qual a casa foi construída (Mt 7.24-27).
O crente sabe que a fé não muda o que é bom ou mau. Cabe ao cristão discernir.
Nunca a vida apresenta-lhe algo definido. Não existe um modelo pronto e acabado. O
mundo está aberto a ele, assim como, a qualquer pessoa. Portanto, para o crente, tudo
neste mundo pode ajudar-lhe no seu caminho; e tudo atrapalhar.
Não existe um mundo novo, embora, em Cristo, tenha já uma nova vida (2Co
5.17). Como Paulo, o crente deve buscar no mundo antigo todas as coisas que lhe
poderão ser úteis para uma caminhada nova (Fp 3.8). Paradoxalmente, o mundo novo
do crente é construído com o material do mundo antigo (1Ts.5.21). Ora, o que haverá
na Nova Jerusalém (grosso modo de pensar) que não havia no Éden (Ap 21)?
Claramente, o apóstolo evoca aquilo que deveria ser habitual no cristão: o
discernimento. É este que separa a fé evangélica as judaica. Um judeu exclui de antemão
toda a cultura dos pagãos e se agarram à Lei. Todavia, o cristão está livre perante o
mundo presente. Tudo está aberto à sua frente, não ligado por nada. Trata-se de um
grande quebra-cabeças que lhe exige discernimento e sabedoria, comparando figura
com figura, encaixe com encaixe.
O cristão sabe que forçar as peças do quebra-cabeça é ter uma visão distorcida
do desenho da realidade do mundo. Ele não conseguirá ver o quadro geral da união de
cada peça, desesperando-se nos vazios do quadro geral. Os vazios não existem de fato,
se as peças se encaixarem respeitosamente em seus lugares.
Claro que não é o bastante para o crente o pensar. Ele deve agir. E melhor ainda:
Pensar e agir seja um ato contínuo, esforços repetitivos. Tudo isso de maneira a alcançar
o objetivo. E, alcançado objetivo, não se dar conta do feito. O Cristianismo não é uma
Religião gnóstica2
, cujos mistérios do Cristo é revelado apenas aos entendidos (Mt
1 THIELMAN, F. Teologia do Novo Testamento: uma abordagem canônica e sintética. SP: Shedd Produções, 2007,
p.373“Epicuro afirmava a obtenção de alívio da angústia ou do sofrimento mental ao voltar a mente da pessoa da dor
para experiências prazerosas. Cícero e outros modificaram a técnica e disseram que a mente conturbada não deve
ser levada a cogitar o que é prazeroso, mas as coisas virtuosas. A abordagem de Cícero também é a de Paulo […].”
2 O Gnosticismo é um conjunto de correntes filosófico-religiosas presente no Cristianismo desde o primeiro século.
Sustenta um dualismo entre corpo-espírito, a matéria é má. Acreditam que possuem um conhecimento mais elevado,
acessível a um mundo superior. Portanto, o acesso a tal mundo é mediante o conhecimento.
11:25). São aos pequeninos que Deus, graciosamente, se revela. O Evangelho torna-nos
iguais, mas nunca especiais. Nossas diferenças, em Cristo, nos unem; nunca nos tornam
melhores ou piores- mas igualmente diferentes! Não existe um Evangelho especial para
pessoas especiais (Gl1; Fp.3.12-16).
Pensar e agir é consequência do discernimento apropriado ao crente, cujo
evidente objetivo é o de imitar ao Seu Senhor; ou seja, ser sábio é ignorar a cisão entre
entender e fazer, dado que a fé que entende logo realiza e orienta o caminho a ser
percorrido (Hb. 11.1ss).
É interessante que o apóstolo inverte os sujeitos dos versículos 7 e 9. No
primeiro, a paz é o sujeito, enquanto no outro, Deus se torna o sujeito. Para coração e
mente atacados pela ansiedade, a paz de Deus os toma. Mas, para uma mente cheia de
imoralidade, infâmia, ignóbil etc, é o Deus de paz quem domina quando o crente expulsa
os vícios e ocupando seus espaços com “o tudo de Deus”. É impossível ter a paz de Deus
sem que se tenha, igualmente, o Deus de Paz.
Da ordem de Paulo aos Filipenses podemos tirar algumas aplicações básicas a
nós:
1. Pouco adianta-nos esvaziar a mente daquilo que nos prejudica se não
preenchermos os lugares, agora vazios, com tudo o quanto agrada a Deus;
2. Pensamentos impróprios podem passar em nossas mentes, mas não precisam
permanecer. Se ele teimar em ficar, uma virtude santa pode expulsá-lo alegando ser a
dona do imóvel;
3. O pensar e o agir não podem ser compreendidos como separados. A separação
entre ambos pode ser um erro de aprendizagem no discipulado cristão. A vivência de
ambos como partes separadas de um mecanismo só funciona enquanto recurso
pedagógico. O cabeçote e os cilindros são partes distintas do motor de um automóvel.
Contudo, ambos são o motor. Logo, pensar e praticar não podem ser separados.
4. Se pensar e praticar estão ligados, Por que praticar até pensar no que se pratica
não pode ter também o mesmo efeito. Ora, pensar nas coisas ordenadas por Paulo exige
esforço, não? Pensamentos parecem o Boi Bandido: difícil de montar e dominar. Porém,
depois dos 8 segundos o boi não fica menos perigoso para o peão?
5. A Terapia Cognitivo-Comportamental (uma abordagem psicológica) afirma que
somos o que pensamos. E, de certo forma, esta premissa ganha endosso do apóstolo
Paulo. Quão grave pode ser tal verdade. Infere que nossas ações refletem, muitas vezes,
aquilo que somos. Pois podemos praticar o que nossos pensamentos construíram.
O que te ocupa os pensamentos? Se pela manhã, a primeira coisa que você faz é
correr para o celular, ver as mídias sociais, se inteirar das fofocas, dentre outros,
dificilmente você terminará o seu dia com alguma esperança, alegria ou paz com Deus.
Mas, se logo cedo, por exemplo, orar, meditar nas Escrituras, pensar na beleza
de Cristo e toda a sua bondade, os espaços da tua mente se encherão da paz de Deus.
Porém, se o que alimenta a tua mente não for aquilo que é de Cristo, dificilmente estará
satisfeito; é como comer miojo: é gostoso, mas não sustenta.
Precisamos é de discernimento, pois, o que não nos falta é o que pôr na cabeça
(e nem o que tirar dela!).
Eliandro Cordeiro
Maringá, 02, out, 2024