Dentro de mim.
“Nos muitos cuidados que dentro de mim se multiplicam, as tuas consolações me alegram a alma”
(Sl.94.19).
Como estão as coisas dentro de você? O trabalho pode contar sempre com a tua
dedicação, ou em casa o almoço está pontualmente à mesa. Guardanapos dobradinhos, o lençol
esticadinho… Mas, e dentro de você, como está tudo? As coisas estão em seu devido lugar?
Sempre se ouve que o trabalho de dona de casa não acaba nunca. Parece ser verdade.
Mas, e se a nossa casa for o nosso próprio coração? Quando o trabalho acaba?
Metaforicamente, dentro do nosso coração todo o cuidado é sempre insuficiente. Freud
dizia que “não somos senhores de nossa própria casa”, significando com isto o nosso inconsciente
desconhecido e caprichoso, dominando grande parte de nossas vidas. Ele controla os fetos,
emoções e pensamentos.
Antes mesmo que houvesse Freud, o salmista já sabia bem disso. Ele sabe que é incapaz
de conhecer-se a si mesmo e que, se não for Deus, não pode encontrar a consolação para toda a
sua exaustiva “arrumação de casa” (cf. Sl.42.5). A “arrumação interna” sofre o consolo em Deus.
Deus é Aquele capaz de cuidar de cada inquietação e necessidade no interior deste homem (1Pe
5.7).
A ansiedade tem a petulância de se esconder nos cômodos mais sombrios de nossa alma.
Ela se agarra à casa (mente) e solta suas ‘crianças’ que correm pelos corredores e cômodos. Essas
crianças barulhentas chegam à cozinha e esvaziam a geladeira, nos guarda-roupas escondem
nossas vestes. O moleque chamado “Incréu” é o pior. Ele atiça a sua irmãzinha, “Ávara”, a
esconder tudo debaixo da cama, nas gavetas… O priminho Gu (Orgulho) descobre onde fica “o
cofrinho da segurança futura” e o vira de ponta-cabeça fazendo cair do buraquinho cada
centavinho de falsas esperanças!
Ah! Como dói o vazio da alma depois que tilintou no chão o último centavinho de
confiança que o malvado Gu deixou escapulir de suas mãos! Nem se houvesse no cofrinho todas
as moedas do mundo, se virado ponta-cabeça, me compraria um centavinho de descanso seguro
(Sl 127.1)!
Ora, organizar a nossa casa interior é muito mais difícil do que limpar o banheiro da
rodoviária do Tietê. Educar o corpo, ser disciplinado, é mais fácil do que dominar os maus
pensamentos. Dificilmente poderemos ter paz enquanto as coisas não estiverem ajeitadas dentro
da nossa casa interior. E quando elas estarão ajeitadas?
Teresa d’Ávila1 escreveu bem as dificuldades que se encontram dentro desta casa. Precisa
de mapas para encontrar a Cristo! Paradoxalmente, a menos que Cristo a varra (Lc 15.8-9),
coloque tudo no lugar e a decore a Seu agrado, pintando as paredes de ‘Vermelho-Sangue-Cruz’
(Êx.12.13), nossa alma não descansará (Sl 42.11). Pois, a nosso modo, as coisas sempre estarão
fora do lugar. Na verdade, nada neste mundo está no lugar que deveria estar!
Sabe, você pode deixar um pouco mais a toalha da mesa suja sobre ela. Você não precisa
correr e varrer o chão ou lustrar tanto assim os sapatos. Mas, o que você não pode deixar de fazer
é encontrar um lugarzinho em tua casa, dobrar os joelhos e pedir ao Senhor que entre em todos
os cômodos de seu interior e varra todos os cuidados excessivos que tanto te fustigam a alma e
nada lhe modifica a vida, exceto para pior (Fp.4.6-9).
Aquele pensamento que te invade a mente e desce ao coração até estrangular-lhe a alma
deve ser dissipado com a presença do Senhor. “Fica conosco, Senhor”, pediram os dois discípulos
a caminho de Emaús numa noite de profundas trevas interior. “E o Senhor entrou para ficar com
eles” (Lc.24.29). Uma vez Cristo dentro de sua casa, olhos abertos, os discípulos outrora confusos,
voltam céleres a Jerusalém. Os cuidados diminuem significativamente quando se sabe o desfecho
da História (Jo.20.1ss).
1 Castelo Interior é um clássico da literatura mística católica. Descreve o caminho que a alma percorre em si mesma
a fim de se encontrar com Deus.
De alguma forma, pensar no que o salmista pediu a Deus me lembrou facilmente a oração
de Agostinho em sua obra “Confissões”:
Que me deras descansar em ti! Quem me dera que viesses ao meu coração
[…]. Estreita é a casa de minha alma para que venhas até ela: que seja por ti
dilatada. Está em ruínas; restaura-a. Há nela nódoas que ofendem o teu olhar:
confesso-o, pois eu o sei; porém, quem haverá de purificá-la? A quem clamarei
senão a ti? Livra-me, Senhor, dos pecados ocultos, e perdoa a teu servo os
alheios (L. V, Súplica).
Como estão as coisas dentro de você? Consegue cuidar ao menos de uma coisa do teu
coração sem que isso se torne um obsessão (Mt.6.27)? Tem o consolo de Alguém que grita dos
cômodos da sua alma: “Está tudo está bem! Eu tô aqui!”? Alguém que lhe acenda a luz e mostre
que não há perigo (Sl 142.3)? Uma luz que alcance todos os cantinhos da tua casa interior e
apague todas as sombras que antes formavam figuras demoníaca e causava-lhe insônia? Sombras
apagadas, luzes acesas; consegue agora dormir na Luz? Nela todos os teus cuidados
desaparecerão.2
Ora, se você tem dificuldades para cuidar da tua casa externa, muito mais o terá da
interna. Na verdade, o excesso de cuidado externo pode demonstrar o cuidado que nos faltam
no interior de nossa casa, isto é, o coração. Na alma há pontos sujos em que somente as mãos de
Cristo alcançam. Há profundas rachaduras provocadas por infiltrações antigas e que agora só
causam medo de uma queda iminente (Mt.7.24,25).
Nestas rachaduras as dores se abrigam como aranhas à espera de insetos. Ah… Mas
Cristo inspeciona sob a Luz do Seu Espírito toda a nossa estrutura. Abraça a alma e a impede de
se esboroar. Como uma casinha, uma alminha, paredes, tão frágeis, colunas tão tímidas,
suportam o peso da vida e seus cuidados (2 Co 4.7)?
Quando as preocupações surgem do nada; como “pestinhas” correm nuas bem lá dentro
do subsolo do córtex pré-frontal3
, onde escondem-se fugindo da luz, façamos como o salmista no
final deste versículo: “as tuas consolações me alegram.”
Isso infere que nunca nos faltarão as consolações de Cristo quando as preocupações
forem muitas. Também é evidente que se é possível lutar com os bichinhos do subsolo do córtexpré-frontal e ser visitado pela Alegria Divina, apesar deles. A gente já deveria estar bem grandinho
para saber que não existem tais bichinho, de fato, pois, o Papai do Céu cuida de tudo, né (Sl 127.2;
Mt 6.31-34)?
Eliandro Cordeiro
Maringá, 29, set, 2024.
2Atribuem a Platão esta verdade: “Perdoamos uma criança que tem medo de escuro facilmente. A verdadeira tragédia
da vida é quando homens têm medo da luz.”
3O córtex pré-fronal é uma região cerebral que desempenha o papel de controlar o raciocínio, comportamento
emocional, controle de atenção, escolhas das opções comportamentais mais adequadas à situação social, funções
cognitivas, pensamento, raciocínio, percepção sensorial e compreensão de linguagem. Além disso, o córtex pré-frontal
é responsável pela formação de metas e objetivos, atuando na realização de planejamento, estratégias de ação e
avaliação do sucesso ou fracasso em relação aos objetivos estabelecidos.