
Acima das nossas forças.
Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na Ásia, pois que fomos sobremaneira
agravados mais do que podíamos suportar, de modo tal que até da vida desesperamos. Mas já em nós mesmos
tínhamos a sentença de morte, para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos
(2Co.1.8,9).
A confiança em Cristo não é uma lição teórica ou especulativa- é prática.
Qual era a natureza da tribulação que o apóstolo Paulo passou? Não se sabe nada ao
certo. Mas, seja qual for essa tribulação, foi algo cruciante em sua vida, pois ainda estava bem
vívida na memória. Paulo a descreve como algo acima de suas forças, até ao ponto de desesperarse da própria vida.1
Passada esta terrível experiência, o apóstolo põe-se a lê-la pelo seu retrovisor espiritual.
Ele entende-a como um instrumento de Deus “para que não confiemos em nós mesmos […]”.
Paulo aprendera a tirar vantagens em tudo. Segundo ele, nem dores, lágrimas ou tristezas
são desperdiçadas por Deus, quando o assunto é levar os crentes a serem conforme a imagem
de seu Filho, Jesus (Rm 8.29).
O apóstolo da graça conclui de sua tribulação que aprendeu a confiar ainda mais em Deus
e menos em si mesmo. Descobriu que nunca esteve, de fato, no controle de sua vida. Quando as
coisas caminhavam bem, não era porque ele era inteligente ou muito esforçado. Igualmente,
quando pensou que morreria com a tribulação que lhe sobreveio, descobriu que na tempestade
ou na bonança, é Deus o seu piloto (At 27.22-25). Mas, para isso, teve de desiludir-se consigo
mesmo (Jr 17.5; Rm 7.18).
A confiança em Cristo não é uma lição teórica ou especulativa, mas só possível de se viver
na prática (Sl 34.8). E, quando ela é capaz de levar-nos a desesperarmo-nos de nós mesmos é o
ponto em que a aprendizagem se torna mais fecunda. Isso porquê abandonarmos a nós mesmos
é o último recurso do ego, ou talvez o primeiro. Mas, ter mãos imobilizadas e cairmos em
desespero, nada mais restar-nos, exceto a oração; é quando o caráter é moldado.
Observe a confiança desse homem, agora, quando poderá se arrostar com a morte: “[…]
nos livrou e nos livrará de tão grande morte […]”, afirma Paulo corajosamente depois de se autodecepcionar (2Co.1.10). Tal homem só pôde fazer uma confissão tão corajosa porque Deus o
levou, confiante em si mesmo, até à presença da morte. Diante dela, viu-se indefeso. Ele, então,
entende que, até aquele momento confiara ainda em sua própria capacidade. Ele ainda não
confiara “no Deus que ressuscita os mortos;” (9).
Era preciso que Deus apresentasse Paulo para si mesmo (Rm 7.24,25). Ele precisava ver
toda a sua fraqueza. Deus lhe retira das mãos toda tola tentativa de agarrar-se em algo ou alguém
menos que o Deus da Ressurreição. Era preciso desesperar-se de si mesmo para esperar somente
em Deus. Neste caso, não nos basta a meia, mas a total dependência de Deus. Pois, sabemos que,
ainda que um homem não saiba nadar, ao cair em águas profundas, nunca deixará de bater
braços e pernas na inútil tentativa de se salvar, até que sem forças permite que os pulmões violem
a natureza, enchendo-se de água. Só então o socorro é eficaz.
Paulo afogou-se pra valer, até que sem forças fosse resgatado à areia do mar da vida. A
única coisa do apóstolo que se afogou em tanto sofrimento foi o Ego, a sua auto-confiança, pois
a fé sabe nadar (Sl.119.71). Conforme disse Schroder em um de seus comentários bíblicos: “Onde
não há mais esperança humana, fica sempre ao cristão a onipotência de Deus.”
E este homem sabe que Deus também o socorre mediante outros homens tão
“náufragos” quanto ele. O pobre homem reconhece que a força que recebera era proveniente
das orações dos irmãos. Tanto que roga: “ajuda-nos também vós, com as vossas orações a nosso
favor” (v.11).
1 Ler todo capítulo de 1Co 1 (desta devocional) poderá te ajudar a entender melhor o que de Deus pode aplicar em
sua vida.
Você já imaginou o que Paulo faz nestes textos? Paulo confessa-se igual a qualquer um.
E não apenas isso! O grande homem de Deus, o apóstolo da graça, desconsidera que exista
qualquer diferença entre os irmãos quando estão de joelhos diante de Deus. O Senhor não faz
diferenciação de dons, personalidades, fama, apostolocidade ou ilustres membros
desconhecidos. Paulo confia tanto no caráter divino que pede aos irmãos que orem por ele. O
apóstolo lança todo crédito na oração e na maravilhosa graça Daquele que ouve a todos os
crentes. O maior dos apóstolos não julga vergonhoso pedir oração (Ef 6.19; 1 Ts 3.1)!
Oh, quão perigoso pode ser para si mesmo um homem auto-confiante (2Co 10.17,18)!
Paulo aprendeu a confiar no socorro de Deus, bem como, comunicar as suas necessidades aos
santos (Rm.12.13). O pobre homem não escrevera tal ocorrido como desabafo ou reclamação. O
apóstolo dá testemunho do socorro de Deus a fim de que sirva de lição, encorajamento e conforto
aos seus leitores.
Fato é que a sinceridade do apóstolo encoraja-nos a pensar acerca da tribulação que nos
sobrevém, pelo menos, cinco lições imediatamente aplicáveis. São elas:
1- Há sentido até mesmo no sofrimento do crentes. Paulo se descobre auto-confiante, quando
deveria confiar mais em Deus do que em si mesmo. Esta foi a lição aprendida na sua tribulação,
conforme ele mesmo confessa.
2- O sofrimento nunca deixa o crente no mesmo lugar onde o pegou; ou o fará afundar ou o fará
confiar cada vez mais em Deus. No caso de Paulo, a sua confiança aumentou. Se antes temia a
morte, pois confiava em si mesmo, agora, vence o medo da morte, pois repousa a sua alma na
ressurreição de Cristo.
3- A tribulação mostra que o crente não precisa sofrer sozinho. Além disso, ela cria uma
oportunidade para ampliar laços de amor fraternos com outros irmãos que igualmente sofrem.
Paulo tem à sua disposição não somente a oração individual. Ele pede que outros se unam a ele
numa oração específica. Pedir socorro, confessar-se desesperado não é vergonha ou
incredulidade.2
4- Depois do sofrimento, o crente pode descobrir muita coisa sobre Deus (v.10). Passado,
presente e futuro se aplicam a Deus- “livrou, livrará e continuará a livrar-nos”. O apóstolo coloca
Deus acima da temporalidade. Infere que aquilo que nos afeta está longe de significar algum
impedimento a Deus. Os livros que nos contam sobre Deus são importantíssimos, mas só a
experiência nos fará constatar se é verdade ou não o que lemos neles.
5- O sofrimento cristão não significa o fim das esperanças, uma vez que, nem a morte consegue
derrotar o crente (Rm 8.35-39). Se a morte é aquilo que o crente vê à sua frente (Hb 11.1ss),
Cristo a derrotou. E, conforme o próprio apóstolo confessa: “A esperança não engana (Rm.5.5).”
Ora, se o mundo exerce um peso infernal sobre você e já te sentes sem forças e teme até
mesmo pelo pior… Se não aguenta mais fingir-se forte e pensa até em cometer alguma besteira…
Se te constranges em sentir-se confuso, fraco e perdido, pois és um crente- e “crente não pode
pensar essas coisas” (Fui irônico!) … Faça como Paulo: ‘des- confie’ de você e ‘com- fie-se’ à graça
que Cristo te dá. Ore e recorra aos que oram.
Só olhe para as tuas fraquezas através das mãos vazadas do Senhor. Os teus olhos
deverão passar por elas como se cruzassem umbrais construídos em poder e graça. Ao cruzá-las,
olhe para trás para te lembrar muito mais do poder de Cristo do que de tuas misérias (Zc 13.6).
As tuas misérias só glorificam a Cristo se confiado que de Suas Mãos Furadas ninguém
cai. Caso contrário, se convencerá de que só você poderá ir tão fundo para salvar-se de tamanho
inferno em que se encontra.
2
FRANKL, V. E. Sobre o sentido da vida. Petrópolis, RJ: Vozes, 2022, p. 61,61: “Se a vida tem um sentido,
também o sofrimento deve ter um sentido. […] eventualmente o não sofrer pode ser doentio. […] a
incapacidade de sofrer é um sintoma.”
Mas, não. Se você descer ao inferno da tua alma sem o Cristo, de lá você nunca mais
sairá.3
Só Ele pode realmente descer ao mais profundo de nossas misérias com todo o poder e
nos fazer assentarmos com Ele no mais alto céu (Sl 10. 1-8; Ef 6.2-9). É só Nele que, ao morrermos,
acordamos (Jo 11.11; 1Co 15.55-57). A nenhum crente o Nosso Senhor negou consolo porque
teve dúvidas, fraquejou ou desejou morrer.
Quem esteve em semelhante desespero pediu orações a irmãos “simples” da
congregação. Ele confessou-se desesperado. O pobre desesperado era, ninguém mais, ninguém
menos, que aquele que fundiu Jerusalém à Atenas e disse (com toda a convicção e vivência) que
nada, nem ninguém, o poderia separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus: Paulo de Tarso
(Rm 8.35ss). E você ainda acha que Ele não meterá a mão dentro da água que te afoga e te puxará
para fora (Mt 14.28-31)?
Eliandro Cordeiro
Maringá-PR, 25, set, 2024
3 Até Nietzsche tinha essa consciência em seu livro “Para além do Bem e do Mal”: “Quando se olha muito
tempo para um abismo, o abismo olha para você.