
Eu nada posso.
Tudo posso naquele que me fortalece (Fl. 4.13).
Imagino o quão surpreso você se sentiria caso lesse o versículo acima do modo a
seguir: “Eu nada posso em mim mesmo que me enfraqueço” (Fl. 4.13). Ou então, assim:
“Cristo pode todas as coisas. Daí, posso dizer ‘eu posso’”.
Ninguém pode ler um livro e dizer que o compreendeu caso o leia baseado
apenas no parágrafo ou capítulo que mais gosta.1
Aliás, para dizer com honestidade intelectual que mais gosta deste ou daquele
capítulo, ler todo o livro (neste caso, epístola) é urgente. Caso contrário, poderá
encontrar um livro totalmente diferente daquele que deveria ler! A intenção do autor
estará morta e o seu propósito autoral diluído na subjetividade do leitor.2
E tal subjetividade pode oferecer ao leitor menos do que Cristo realmente lhe
pode dar (2Pe 1.20,21). Pois, até mesmo uma leitura simples de todo o capítulo quatro
da Epístola aos Filipenses pode levar o crente a encontrar a Persona Principal deste
versículo. Não é Paulo a personagem principal do versículo, apesar de dizer que tudo
pode e a atenção de muitos de seus leitores se voltarem a este ponto. Este homem não
procura chamar a atenção aos seus feitos, exceto às tribulações e fraquezas que
experimentou! Na teologia deste servo, ele diz nada poder em si mesmo.
Ora, quem pode tudo sozinho? Leia o versículo quatorze e encontrará o homem
o homem fraco que gritou no desespero de suas tribulações “tudo posso”.
Paradoxalmente, o grito é de fraqueza (vs.14). Este é o homem que acredita poder algo
em Cristo: “vocês fizeram bem em ajudar na minha dificuldade”. É o que sabe sobre
Cristo que o faz gritar lá do fundo de suas fraquezas que pode tudo. Portanto, o sujeito
que tudo pode não é o teu ego, mas Cristo.
Leia corretamente a tua vida, a tua história. Reveja a tua saúde, a tua anatomia,
o teu trabalho, a tua casa, os teus dons e virtudes ou o pão dormido que encontrou
sobre a mesa (Sl 127). Você pode tudo mesmo? Você não pôde nem ao menos fazer
aquilo que acreditou poder porque lhe era fácil realizar. Talvez você tenha pensado que
seria fácil demais para fazer e considerou não “aborrecer” o Senhor com as tuas
orações”. Mas Jesus já disse aos discípulos que sem Ele “nada podeis fazer” (Jo 15.5). O
Senhor disse nada, e não que algumas coisas a gente até possa fazer sem Ele. A gente
não cresce nem um 45cm em nossa estatura se não pelo cuidado de Deus (Mt 6.27)!
O que aborrece ao Senhor não lhe são os pedidinhos (Fp 4.6-7), mas o nosso ego
enorme que não nos permite ajoelhar e nos faz acreditar que Deus só nos ajuda naquilo
que não podemos fazer por nós mesmos (Pv 3.6).
Para Paulo, o nada tem um peso insuportável, enquanto que o tudo o massacra.
O homem não aguenta o peso do nada e sequer consegue alcançar o mínimo do tudo.
Ah, como é horrível não ter nada! Porém, experimente ter tudo e nada mais poder
esperar. O tudo torna-se em nada à espera de qualquer coisinha que nos mude a rotina.
1 Eu te convido a ler essa carta do apóstolo. Caso não te seja possível, leia ao menos o capítulo 4. Sem a leitura eu
serei visto por você como um incrédulo, pois não entenderá o motivo de dizer que “nada posso” quando o versículo
diz (aparentemente) o contrário.
2 É lógico que o “tudo posso” referido pelo apóstolo envolve não apenas bênçãos, mas tribulações, fome etc. Portanto,
o crente não apenas pode ter abundância de bens, como, também, suportar tudo o quanto é tribulação, bem como,
saber perder.
Dizem que Alexandre, O Grande, depois de ter alcançado tudo, tornou a vida
vazia com festas fúteis ao ponto de morrer. Logo, me pergunto se de fato tal nome tenha
alcançado tudo ao ponto de ter se matado. Certamente faltou-lhe o nada, pois, perdera
tudo. Desta forma, tudo é o mesmo que nada e o nada nada é se o Próprio Cristo não
lhe der significado. Lembremo-nos que antes que houvesse todo o mundo criado
(Gn1.1,2), tudo o quanto existia era o nada.
E, tal nada era tudo, pois, só havia Deus. Deus bastara-se a Si Mesmo. Nada e
tudo eram simplesmente a Trindade. Isso me lembra que Deus é aquele em Quem nada
falta e nada sobra, conforme disse Agostinho. Você pode imaginar que nem o vazio
existia? Consegue imaginar que nem o infinito existia, já que este nos remete ao
conceito de continuidade ou extensão? Deus não é extenso, tampouco contínuo; mas
Simples, indivisível, Espírito Puro (Jo 4.24).
Portanto, o que o apóstolo faz é uma confissão: “eu nada posso”. E a conclusão
desta confissão é a adoração lógica, pautada tanto na antropologia3
como na Cristologia
paulina: confessar-se incapaz de realizar qualquer coisa por si mesmo glorifica a Cristo.
Não se trata de estoicismo. A suficiência do apóstolo vinha de Cristo (2Co 5.5).
Releia o versículo. Retire dele a relevância do “tudo eu posso”, ou seja, do EU
que se agarra à auto-esperança tamanha, mantida por lentes distorcidas da realidade,
como se dependesse de uma confissão positiva sobre você mesmo. Agora, tonifique a
presença, no versículo, de certa Pessoa que nele está, não para te dar apoio, mas para
ser a Personagem principal da tua vida e o teu contentamento em qualquer
circunstância.4
Que “Aquele” que te fortalece receba o crédito devido ao Seu Nome, isto é, Jesus
Cristo. Ele tudo pode! Em meio a abundância ou carestia, encontre Aquele que tudo
pode e você se sentirá forte e seguro. Mas não acredite que o versículo se refere a você.
Ele fala de Cristo!
Eliandro Cordeiro
Maringá, 23, set. 2024
3 Antropologia significa “o estudo sobre a natureza humana”, quem é o homem. Coloquei a afirmação contente de
Paulo como negativa a fim de fortalecer, precisamente, a ideia do texto: É em Cristo que Paulo pode tudo. Por si
mesmo, ele nada pode.
4 Filipenses 4.12: “Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e
qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade.