Oração é coisa séria
“Quando orardes, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão
ouvidos.” (Mt 6.7)
Oração é coisa séria. Então, use bem as palavras do coração a fim de as pregar
firmes na mente, para que naquele dia, não sejais julgado por Deus pelo belo uso indevido
que delas fez (Mt 12.36-39).
Portanto, não é que Deus não ouve palavras vazias; Ele as ouve, pois elas vem do
coração do homem. Nisso consiste o perigo: como vazias, são denunciantes do próprio
ambiente no qual foram criadas, ou seja, um coração igualmente vazio.
Não as repetições, mas as vãs repetições descrevem bem a concepção que tem de
Deus aquele que ora. Repetir as palavras e orações não constituem pecado em si. Mas,
insistir em as apresentar vazias diante de Deus é uma concepção idolátrica acerca de
Deus. É uma diminuição de Seu Ser, tal qual faziam os romanos aos seus deuses insistindo
por um favor. Vãs repetições para cansar? Falarem muito para impressionar? Parece que
o Senhor Jesus está se referindo a este modo de orar.
Agostinho, em sua obra Solilóquios, surpreende-nos com a noção de importância e
seriedade que se deve ter na oração. Antes de começar o seu diálogo com a Razão ele
ora:
Deus criador de todas as coisas, concedei-me primeiramente que eu faça uma
boa oração; em seguida, que me torne digno de ser ouvido por ti; por fim, que
me atendas. Deus por quem tende a ser tudo que por si só não existiria. […].
1
Até para orar é necessário que se peça a Deus que se faça uma “boa oração”. Em
outro termo: até para orar é necessário orar. Orar requer o bom uso do intelecto e isto
indica o objetivo da oração. O coração de joelhos não desconsidera orar acompanhado
pela senhora Razão (1Co 14.15).
Repetir palavras na oração não é pecado. Jesus fez isso no Getsêmani. O Senhor
orou três vezes em profunda angústia e nas três as mesmas palavras com atitudes cada
vez mais determinadas à obediência ao Pai (Mt 26.44). Então, a questão não consiste em
palavras repetidas, mas no que diz o coração sempre em atitudes renovadas diante de
Deus! O perigo não está nas repetições das palavras, mas em serem vãs.2
Se orar é ter os pensamentos lidos por Deus, o que repetimos no coração (ainda
que troquemos com diferentes palavras que reflitam piedade) Deus sempre ouvirá
apenas ecos. Ouvirá como ecos de choros infantis incapazes de distinguirem a prioridade
da fome à vontade de brincar. Batemos os pés e pedimos repetidamente: “Eu quero,
Deus. SE vire!!! Seja feita a tua vontade desde que seja a minha. Eu quero, eu quero e
quero.” Talvez, o que chamamos de oração Deus considere como birra; e o que
chamamos de perseverança Ele apenas considere teimosia.
As belas palavras de oração vindas de um coração vazio são como flores que
enfeitam um caixão. Flores lindas e o falecido é amado. Porém, as flores enfeitam o lugar
e a hora errada, bem como, o amor pelo falecido é sentido em constrangimento; num
desejo de agarrar aquele que não mais está ali. As flores não tem o poder de disfarçar o
1 AGOSTINHO, S. Solilóquio; a vida feliz. São Paulo: Paulus, 1998, p.13.
2
“Vãs repetições” foi uma ideia usada para traduzir a palavra grega ‘battalogesete’ que significa
“tagareleis demais”. Seja como for a palavra indica mais o falar sem sentido do que o falar repetitivo.
poder da morte. Assim também são as vãs palavras elevadas aos céus: não disfarçam o
interior do coração.
Escolha bem as tuas palavras. Vasculhe a memória do coração. Melhor que sejam
as repetidas, porém, guardadas ali com amor, do que as “novinhas” procuradas para
exposição na sala do ego. E ego orante é o mesmo que eco. Jesus disse que o fariseu ao
orar e dar graças, orava de si para si. Ele fez de sua oração um monólogo (Lc 18.11-14).
Ora, “a oração é um instrumento sensível, delicado. Usá-lo bem é uma grande
arte, uma santa arte. Não há, talvez, arte maior que a arte de orar”
3
. E orar não há
restrições. A lavadeira ou o filósofo podem bem orar.
Deus não nos responde porque oramos bem. Exceto o Senhor Jesus, ninguém ora
bem. Lembremos que o apóstolo Paulo disse que até o que oramos é corrigido pelo Santo
Espírito, pois, não oramos o que convém (Rm 8.26,27)
As vãs repetições podem ser o retrato do coração de quem ora. Para tal vale o
ditado improvisado: “Diga-me o que ora e te direi quem és.”
Eliandro Cordeiro
Maringá, 17 de out, 2024
Tentando parar com a birra.
3 HALLESBY, O. Oração. SP: Casa Editora Presbiteriana. 1963, p.33.