Poc!
E, para que não me exaltasse pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não me exaltar (2Co 12.7)
Nenhuma experiência com Deus é tão grande ao ponto de fazer com que o crente se sinta acima do seu irmão (Is 65.5).
Paulo vai ao céu e recebe de Cristo revelações às quais deve nada dizer aos irmãos aqui de baixo. É segredo absoluto. Mas, também deve cuidar do que sente aqui embaixo em relação a visão que teve lá em cima. Não poderia sentir-se superior nem mesmo aos irmãos escandalosos, invejosos ou briguentos da igreja de Coríntios.
Ora, o homem da tamanha experiência nos céus recebeu de Deus um espinho na carne para, segundo ele mesmo, não se ensoberbecer. Depois de experimentar o estado dos anjos felizes, agora é exposto à influência de uma anjo malvado. O que lhe fora doce aos olhos e ouvidos, agora é doloroso. Tal preço a ser pago pelas revelações dos céus também revela quão perigosa pode ser a auto-exaltação (Tg 4.6).
Sempre que leio este texto imagino uma linda bexiga vermelha que sobe contrastando o céu azul (o que a deixa ainda mais bela). E, de repente, mesmo céu azul, uma mão enorme nos ares, com as pontas dos dedos- o indicador e o polegar- aperta firme um espinho (desses de laranjeira) e … “poc!” A bexiga desce feia como se fizesse um bico (de boca) soprando o ar das bochechas e morre vazia no chão. E a imagem se repete continuamente num incansável sobe e desce[1]. Mesmo sendo tão leve, uma bexiga cai do céu devido ao seu próprio peso.
Tem gente que ao ler este texto fixa a atenção no espinho. Eu, porém, fico cismado com a tal bexiga inexistente. Fico temeroso com a natureza dessa bexiga que se confunde com um balão (Ec 1.2; 1Pe 1.24)! Pois, o homem que Deus levou aos céus e contou-lhe segredos, ao descer, vive um inferno no coração!
A “visita ao céu” e o espinho na terra bem podem ser aquele nosso triunfo na oração, ou cada vitória na fé e na vida piedosa. É a alegria de ouvir Deus falar-nos na leitura das Escrituras e nos dá a graça de chama-Lo de Pai. Toda essa comunhão vivenciada com a verdade do Evangelho é um segredo soprado aos ouvidos da alma do crente Na Pessoa do Espírito (Rm 8.16-18).
Quando toda essa doçura celestial nos infra a alma qual balão, rapidamente, haverá uma mão, bem lá no alto, que com um espinho a estoura. A queda só não nos enche o coração de medo de vazarmos o chão, cravando a alma no inferno, porque sabemos que a mesma mão que segura o espinho foi por ele furada na cruz (Zc 13.7)!
Que maravilhoso espinho. O homem que desceu do céu depois de ver coisas inexoráveis não pode relatar nada a ninguém. Ele nem mesmo pode considerar-se um apóstolo especial depois que visitou a casa do dono do mundo!
Paulo vive agora entre o céu e o inferno! Que glória há em viver com as lembranças do céu e a advertência de cair em seu inferno particular todas as vezes que se julga merecedor de tal visita? Igualmente, dizer-se maravilhosamente transbordante dessa Graça divina não é o mesmo que confessar-se um mendigo caso o Pai Celestial não o vista com o vestido e sandálias do Seu Filho Jesus Cristo (Is 61.10,11; Lc 15.22.)?
Oh! Misteriosa riqueza experimentou este homem de Deus! Quanto mais mendigo se sente, mais fortes são as lembranças da visita daquele dia (Jl3.10;2Co 12.10). Não há ilusão com a visão beatífica. Quanto mais se aproximou Daquele que é Santo, mais pecado viu em si (Is 6.1ss;Ef 3.8; 1Tm 1.15). Mas, como é cega a soberba, teima refletir uma imagem (im)perfeita ao homem que se vê sem a santidade de Cristo (1Co 13.12;1Jo 3.2; Tg 1.23,24), é necessário o espinho que desencanta a mentira
Talvez o piedoso julga-se capaz de lá subir. Porém, sentirá a alma rasgar-se pela ponta firme e aguda da graça que o lembra de sua natureza mendicante do Pão da Vida (Jo 6.35,51). É quando desce vazio e cai sob a mesa do seu Senhor fartando-se de suas migalha a valer (Mt 15.26,27).
Fiquei pensando no que isso tem a ver com a gente, bem como com toda a nossa experiência de fé (2Tm 3.16,17). Enumerei alguns princípios que podem ser aplicáveis a nós:
Não interessa o quão íntimos somos de Cristo, na narrativa paulina, o espinho funcionou mais vezes do que a oração do homem que visitou os céus. Tampouco importa o quão gratuitamente buscamos a Deus, é sempre a realidade de nossas fraquezas que nos levam ao céu onde Cristo está e não os nossos feitos. Cristo conhece mais a nossa natureza do que nós mesmos (Jo 2.24,25). Ele mostra a fragilidade deste homem que ora. Só um espinho da graça é suficiente para ‘inflamar’ (febre) a alma do apóstolo. É a febre do espinho da graça quem cura! Este homem que orou é tão frágil que lhe basta um só espinho para que perceba o quão orgulhoso pode ser (v.8,9).
Quanto mais alto o cristão subir em comunhão com o Senhor, mais de sua Graça precisará. Paulo ora três vezes devido a fraqueza, enquanto recebe de Cristo “só” a Graça. Este homem deve orar sempre, enquanto a graça é apenas uma e eterna sobre ele. Orar constantemente para a vivenciar, uma vez que a bexiga vermelha tende a subir facilmente pelo céu azul. A graça é o peso para a alma que sobe leve, cheia do orgulho.
Contudo, a graça está posicionada eficazmente em tal lugar lá em cima que, quando o balãozinho vermelho passa por ela, Aquela Mão o espeta e lá ela fica a esperá-lo pacientemente até que qualquer outro “grande feito” o eleve novamente e novamente cai.
A graça é mais perseverante do que o apóstolo. Ela não atua por causa de Paulo, mas por causa da bondade de Deus. Ela não é uma compensação pelo fracasso dos homens, caso contrário, quanto pior o homem fosse, mais agraciado ele seria (Rm 6.1). Mas Deus, não só graciosamente leva Paulo aos céus, como também o impede de ser destruído por seu orgulho.
Desejo honestamente que as tuas visitas aos céus sejam frequentes. Porém, desejo muito mais que o teu balão não se apresse a subir depois de um dom recebido ou um talento muito bem desempenhado (1Co 4.7), nem depois de uma boa ação (Mt6 3,4).
Talvez, depois de um elogio por saber empregar bem as palavras, ou por teu conhecimento das Escrituras, facilmente você sobe contrastando o vermelho no azul do céu. Subimos muito rapidamente. O orgulho só pesa na hora da queda; é leve ao subir. Somente o peso da graça nos esvazia e nos faz cairmos no chão e não o ultrapassarmos.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 19 de agosto, 2024.
[1] A minha imaginação tem razão de ser. Paulo diz que orou três vezes. Isso infere que o espinho era constante. Além disso, Paulo diz que o tal mensageiro era enviado por Deus a fim de o “esbofetear” continuamente. O verbo utilizado pelo Apóstolo está no Tempo Presente, particularidade da língua grega que significa uma ação contínua.