A vida como ela é depois do dia dos pais: Dá-me ou faz-me.
“Dá-me a parte dos meus bens que me cabe […]. Faz-me como um dos teus servos […]”. (Lc. 15.18-24).
Ser pai é muito mais do que dar dinheiro ou herança; é mais do que fazer com que o filho tenha; é fazer com que o filho seja. Pai é aquele capaz de transformar um “dá-me” em um “faz-me”.
Quero crer que você conhece a parábola que Jesus contou sobre o “Filho pródigo”. Isto nos poupará espaço nesta folha (rsrs).
O pai da parábola investe na alegria do lar, não no sucesso empresarial dos filhos (não que fosse errado! (v.32)). O mais velho lamenta o dinheiro que o irmão caçula desperdiçou fora das porteiras da fazenda (30), enquanto o pai acredita investir tempo na engorda do bichinho precisamente para a festa do retorno do garoto (32). Ele dá um churrasco e precisa justificar ao filho mais velho o que lhe é realmente valoroso: “tudo o que é meu é teu […] tu estás sempre comigo…”. O pai declara a sua maior alegria ao filho turrão. Porém, este é insensível ao amor do pai e sensível demais à dureza da prata, ao suor do rosto, e acha supérflua toda a alegria que custa o preço do amor (29,30).
“Dá-me!”, pede o caçula. E o pai dá. A juventude pode ser para muitos um grito de “dá-me vida”, “dá-me alegria e emoções”, todas baseadas naquilo que se pode construir com o dinheiro ou sonhos improváveis de concretização (14-16). São raros aqueles que entendem que o dinheiro é apenas um meio e não o fim (1Tm. 6.10). Frejat, ex-Barão Vemelho percebe o lugar do dinheiro e aplica tal verdade na música “Amor pra recomeçar:
“Eu desejo que você ganhe muito dinheiro
Pois é preciso viver também
E que você diga a ele, pelo menos um vez
Quem é mesmo o dono de quem”
É sem dignidade e dinheiro que o caçula percebe que partiu de casa pedindo pela coisa errada! Sai de casa dizendo: “Dá-me”. Depois, retorna pedindo: “Faz-me”. A volta sem dinheiro foi mais rica do que a sua ida com o bolso cheio. Foi-se escravo, volto senhor.
Ora, qualquer filho pode partir de casa e se tornar um homem bem-sucedido na vida, no trabalho. O mais difícil é vê-lo retornar pedindo para que o pai o faça como um de seus servos. O garoto dessa parábola sente-se indigno só de pensar-se diante da bondade do pai. Este é bom até mesmo para com os seus escravos (17-19)!
Este homem trata com justiça e bondade até mesmo aqueles que estão em sua casa limpando o chão, cuidando da roça… O menino parece ter crescido vendo este exemplo. Toda virtude paterna humilha o fujão bem dentro da consciência. A bondade do pai consome todo o seu espírito de orgulho e o faz pensar-se feliz novamente só em ser-lhe, simplesmente, um escravo na casa. “Ah… aquele cheirinho do pão pela casa!” (17).
Interessante que o filho, ao planejar o retorno para casa, vê-se como um homem indigno de ser chamado filho, mas não que o homem a quem abandonou é um pai indigno de ser chamado de PAI. O menino confundiu, ao deixar a casa paterna, a felicidade com o dinheiro, porém, não confunde o seu pai com um chefão da casa! Ou seja, ele não confunde a riqueza com o dinheiro que levou nos bolsos. A riqueza o esperou no portão todos os dias com os olhos marejados e o coração impaciente, preocupado com a engorda do cevado novo.[1] “Será que quando ele retornar, o bicho já tá gordão”, sempre penso no pai falando isso ao ler esta parábola (20,22,23).
Ao reconhecer a riqueza que não pôde levar consigo, o menino entra pelos portões da fazenda pedindo ao pai “faz-me”.
Que poder é este que tal pai tem, capaz de fazer um filho impressionar-se com o seu modo de cuidar dos escravos? Que valor o menino carregou longe de casa, para que, quando nada mais tinha nos bolsos, lançasse mão e sacasse do peito? Nem o ressentimento com o mundo dos porcos sujou na lama do coração a doce lembrança que levava do seu pai (15-17). Que homem de família é este que até o escravo fala da alegria do seu senhor como se a sua própria, dando-lhe razão para fazer o “arrasta-pé” na volta do caçula (25-28)?
Ah, moleque! Você foi para longe, mas carregou, naquele dia, aquele homem de cabelos brancos que te aguardava no portão. Partiu com menos volume nos bolsos do que no coração. Quando nada mais tinha nos bolsos, e no coração um buraco enorme por onde sangrava toda a alegria desperdiçada com a vil moeda, foi a lembrança paterna quem te estancou o fluxo que te levaria ao inferno (22-24).
Agora você volta para casa cheio de ideias na cabeça, palavras bonitas, para falar com o pai e receber dele o perdão. Só quer comer o pão dos escravos. Ele porém, “só” te abraça apertado, compelindo em seu próprio peito, não apenas as tuas palavras bonitas (impossíveis de serem pronunciadas audivelmente, como grita em tua própria cabeça), mas as Dele mesmas.
Basta-lhe o abraço apertado e o banho que te deu com as lágrimas para que soubesse ser mais do que escravo- É o garoto que nunca partiu. E ele, o pai que nunca ficou.
Eliandro Cordeiro
Maringá, 11 de agosto, 2024.
Um dia depois do dia dos pais (segunda): Quando o caçula foge de casa e o primogênito murmura e considera o pai um injusto. Segunda: quando é difícil segurar as crianças dentro do quintal e sair ao trabalho orando “faz-me”, com o coração doido pra dizer: “dá-me”!
[1] Enquanto penso nesta parábola, em minha cabeça Stênio Marcius canta “Fim de tarde no portão”.