
Por quês e estoques de orações.
Mas, eu, Senhor, clamo a ti por socorro, e antemanhã já se antecipa a minha oração. (Sl 88.13).
Este, me parece, é o único salmo em que o tom pesado de sofrimento se mantém do início ao fim.1
Diferentemente dos outros salmos, não há uma nota de alegria aqui. Contudo, assim como em todos os outros, a
fé se mantém na base, dando suporte àquele que parece esboroar-se em tamanha dor de existir. Sobre a esperança
soterrada, na base da fé, o salmista persevera em ouvir os aparentes ecos de sua voz direcionada ao céu de bronze.
Às vezes, em nossas vidas, parece-nos que orar é apenas deixar armazenados arquivos de orações em
alguma prateleira dos céus. Vez ou outra um anjo entra no depósito de orações e pega um arquivo morto e tenta
resolver o caso.
O cristão não nega esses momentos em sua vida. O Cristianismo não é a Religião onde a oração é mágica!
Além da oração ter como propósito receber de Deus a direção, tem-se nela a graça dispensada àquele que ora. Em
que forma Deus envia tal graça pode-nos ser bastante misteriosa.
No caso deste salmo, o homem ora, e continua a orar, persistentemente. Ora mesmo quando todo o céu
parece fazer-lhe silêncio. Por que insiste em orar se parece não haver Ninguém lá em cima que o ouve? A fé pode,
muito bem, ser imagética. Ela pode deslumbrar um cenário Santo como se Deus dissesse aos anjos: “Silêncio! Não
ouvem a voz do meu servo?” A fé é uma boa guia aos míopes e surdos quanto a tudo o que de Deus se recebe. A
fé pode desenhar-nos aquilo que a nossa razão é incapaz de entender (2Rs 6.17; Hb11.1,2).
Enfim, a fé encontra no silêncio dos céus, primeiro os ouvidos de Deus, depois, a sua voz. Não foi assim com
Jó?2 E a mulher que clamava atrás de Jesus, enquanto Ele seguia em silêncio (Mt 15.23)? E, se a dispensa celestial
estiver estocada com orações não haverá espaço algum neste santo lugar onde a voz do crente fará eco!
Não é maravilhoso que o salmista que clama a Deus cheio de ‘por quês’ não para de orar? Este homem, de
joelhos diante de Deus, mantém-se de pé nas longas noites de insônia (v.1,2) e nas sombras que lhe invadem a
alma em pleno meio-dia (3-9). Qual mortal não amaldiçoaria a este Deus e louvaria a morte quando em dor
insuportável (Jó 2.9), caso não tivesse a certeza de que Deus o ouve (Sl 22.1,2; cf. Mt 27.46)?
As orações do salmo mais triste da Bíblia revela um homem que, apesar dos ‘por quês’ e do aparente silêncio
de Deus, não se entrega. Costumo ver essa persistência como resposta à oração. Este homem sabe que a rejeição
de Deus era apenas aparente. Que Deus o ouvia era tão real quanto os seus sofrimentos (Is 50.10). Caso contrário,
por que, então, orava?
Sem ilusões; Hemã sabe que nem sempre se tem uma respostas ao sofrimento. Apesar disso, o fio de fé é
forte o suficiente para sustentar este homem. Longo período andando na escuridão, mas ainda chama a Deus de
seu Salvador. Eis aqui a única nota de fé que compõe as mais lindas melodias que se entremeia em cada versículo,
enquanto assobia na escuridão.
E, mesmo que o texto termine sem que saibamos o final deste homem em oração, é essa mesma fé quem
dirige a todos que leem este salmo. É ela quem responde o porquê de ele estar nas Escrituras.
Será que a fé deste sofredor, ao orar tantas e tantas vezes (antecipando o costume religioso de horários e
ritos) não entendia que o silêncio de Deus era como um “Psiu, anjos! Ele está falando comigo!?”
3
Eliandro Cordeiro
Maringá, 25 de fev, 2025.
Ainda que eu ande na escura noite, sejas sempre o meu Salvador!
1
Se este tipo de Salmo nos assusta, talvez tenhamos que entender um pouco mais o que as Escrituras nos falam sobre a
natureza humana, a depravação total, o caráter de Deus e o que significa orar! Quem ora é lido por Deus (Mt 6.6). Ele lê almas
(Jo 2.25).
2 Embora a ordem das Escrituras seja “Alegrai-vos no Senhor” (Fp 4.4), isso não significa uma ditadura da felicidade. Alegria do
Senhor não inibe a tristeza em suas mais sortidas cores deste mundo. A alegria não é uma ditadura e a tristeza não é uma
condenação.
3 Evidentemente o que escrevi é apenas uma escrita poética a fim de enfatizar que não há oração que o Senhor não ouça. O
‘psiu’ é apenas um recurso para demonstrar o interesse de Deus em nos ouvir. Deus não precisa de silêncio para nos ouvir.
Orar é mais do que falar- é ser! E, quando de joelhos, Deus ouve quem somos.